sábado, 30 de abril de 2011

Penso

1.
Jamais poderás impedir que sonhe,
Nem sei sequer se o desejas;
Pior que isso é jamais poderes impedir que pense
As catadupas de coisas que em torrente laminada
Dilaceram as horas em raivas e dores de serem raivas,
A avalanche trovejante de ignóbeis memórias que nem são minhas
Mas apenas pressupostos do que serão as tuas.
Não, jamais poderás evitar que pense.
Assim, és enxaqueca quando o faço.
2.
Penso, já que o espaço concebido é propício.
Penso, já que a tua mão cala o afago.
Penso, porque os teus lábios nem um beijo sussurram.
Penso, porque os teus olhos emudecem perante os meus.
Penso que então pensas o que eu nem quero pensar.
3.
Quando ao deitar os lábios ao fresco
Sob o quente do verão à beira,
Um leve odor a suspeita sudorífera
Que metabolismos neuróticos em mim plantam,
Assoma traiçoeiro,
Bebo trago mais longo…
Como se assim apagasse a memória.
Nem a dentada nervosa no tremoço
Acalma odores dérmicos indesejados.
Cheiro mal do corpo todo
Como um Dantas dos pés
E bebo, por distracção…
E acordando meus lábios já refrescados
Lembro canções e sussurro-as.
Deito-me à beira do verão,
Suado e mal cheiroso
Mas livre de pensamentos.

Não quero misturas

1.
Quando as vagas do destino
Estalam nas rochas quotidianas
Salpicando em torno com pétalas de sangue
O beijo dos amantes
Desce o sol até ao baixo hemisfério
E rebentam ondas de tristeza

Tudo meros versos do poema fútil

Quando a vida de tão vaga
Se estatela nos rochedos
O destino está esvaído
E os amantes não se beijam

Só o sol teima em baixar
Inutilizando os versos

Quando eu ler a mensagem que te envio
Serei sol e não poeta
Descendo baixo
Inutilizando a poesia

2.
Apago no portátil o poema
Que ninguém leia a minha dor
Apago no portátil a minha luz
E fecho a porta para o mundo

Amanhã quero estar no céu…

3.
Olha a gargalhada repenicada no sarcasmo,
Ironias que o céu me dá.
Quando chover não chorarei,
A água celestial é-me pagã;
Eu sou litoral de dores,
A minha água é salgada.
Não quero misturas.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Foto

1.
Abri os olhos com tua foto neles.
Acordei no jardim e na paz da relva
Que o Verão já pisara.
Tinha nos dedos carreiros de formigas
E nos lábios sedes de ti.
Se as aves cantavam
Decerto odes oníricas
Que o rio mais ao lado embalavam
E distantes de mim soavam.
Meus ouvidos surdos ao mundo
Se escutavam era o silêncio de ti;
Amei-te dentro dele,
À distância.
Tão longe de mim
Que me perdi...
Agora, não sei regressar.

2.
Ficou encontro marcado.
Não sei que gare poderá unir destinos...
O meu anda emigrado
E fala saudades de fados.
Os comboios que me levam
Recusam sempre trazer-me.
Se souberes de sombras ternas,
De árvores nidificadas,
De relvas humedecidas,
Do meu corpo ocioso,
Diz-me. Preciso saber onde estou.
Talvez assim te encontre.

3.
Dar-te-ia um número...
Uma ponte sobre os longes,
Dar-te-ia a mão em braço longo que se não vê,
Dar-te-ia a voz em sussurro meigo,
Dar-te-ia tudo isso...
E muito mais.
Mas sou adverso a telemóveis.
Se quiseres apenas muito mais...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Por razões

1.
Provei-te o corpo húmido
No sal da minha língua;
Se hoje bebo água é da ressaca
Da embriaguês real, não do amor.

2.
Por aqui desce o vento,
Cumprimenta-me num bailio
E segue rua abaixo.
-Às vezes, criança, rua acima-.
Um gato vadio leva consigo imagens minhas;
Na janela sobranceira um canário titirita.
O sol queima. O telemóvel não toca.
Sou livre! Não uso.

3.
Esperei por ti sabendo que não virias.
Eu sempre espero por ti sabendo que não virás.
...
Tu nunca me surpreendes!

4.
Amei-te nem sei bem como;
Não no turbilhão dos lençóis
Nem no sorriso do sofá.
Amei-te na conjugação do verbo
E hoje desconjugado ainda tenho
Futuros teus.
Não sei quais as condições...

5.
Ando triste de mim;
Trago saudades de ontens
E outros dias além.
Queria Hamburg e uma Bier
Um Döner ou Currywurst;
Queria adormecer, mais não.
Porque me tocas se entendes?...

6.
Surgisses tu que nem deus
Num poema de Caeiro e dissesses:
-Cá estou eu!
Tomar-te-ia veloz
Até ao inferno de Dante.

7.
Tu que falas de amor
Quando me vou,
Que fazes tu quando não estou?
De leito em leito te passeias,
Entre mãos e pernas te aconchegas.

Tu que falas de amor
Quando não vou,
Que fazes tu quando estou?
Que fazes tu?!...

sábado, 12 de março de 2011

Estrondo

Pisam-me as palavras os pensamentos mais lúcidos
E atropelado na incandescente raiva da impossibilidade,
Tolhido na língua e nos olhos, nas coisas doces
Que existem para serem sussurradas aos ouvidos,
Gero dúvidas sobre os lábios balbuciantes.
Decepo as cordas vocais. Adeus. Para até mais ver...
No encurtar da distância nos separámos.


Nem sequer a humidade dos lábios me impede de pensar seco
O idioma destoa-me nasalmente e peno e peco
Sem saber onde assentar os pés de fado
As mãos vadias. Quero o teu corpo mais que o meu
Mas muito mais o meu com o teu.
E vim-me e vou-me embora.

É o turbilhão de palavras
que se desmultiplica na mente
explode e implode, eclode nas fissuras do racional
e propaga-se incoerente nas memórias humilhadas
nos recalcamentos mais longínquos
como se ontem constasse de arrependimentos
e o hoje fosse purgatório dos dias idos e vindouros.

Um rebentar de foguetes, um cruzar de cometas
num infinito gráfico em metralhar tipógrafo;
dói. A cabeça prestes a rebentar
e os dedos reumáticos, lesmas, a quererem acompanhar o relâmpago,
apenas trovão,
estrondo posterior.
Mordo-me a língua e asfixio o peito,
sacudo-me acima dos ombros
e, por muito que as palavras caiam em catadupa,
um labirinto delas teima em chicotear ideias,
rasgam-nas horizontal, vertical, diagonalmente;
trucidam-nas, e procriam-nas;
neologismos avançam como se todas as enciclopédias do mundo
não tivessem palavras bastantes ou palavras que chegassem...
Não é invenção minha,
eu nada invento,
do minúsculo pontinho do horizonte da razão
nada me chega e nem o serenal ajuda,
eu sou o além do verbo e o aquém do verso;
nem prosa tenho;
sou carcereiro de desejos que a musa impele
e incapaz de distinguir liras de flautas
nem castigo mereço...
não penso em suicídio,
as palavras encarregam-se disso,
de me suicidar na lentidão com que escrevo
sem conseguir abarcar-lhes sentido;
elas serão o ópio que não tomo e a cicuta que não bebo.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um só êmbolo



Um só êmbolo
lufada de ar puro
que envenena
sem colher
sumo de limão

Um só êmbolo
lá foste
num tropel sem montada
e eu tomei-te o pulso
tardio
ao teu lado
cego
conversei
o Fernando ouviu-me
tu não
o Fernando levou-te
eu não

A Teresa tomou-me o pulso
pingava
nos braços do Fernando
os teus pés oscilavam
com o corpo fugido deles
a tua alma jazia
à mão de semear
encravada
onde eu deveria ter a minha

Nunca mais chamaste
Balburdia
a tua vida organizada
esquife luzente
e olhos tristes
verdadeiros
só os teus

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Acidente a ocidente



Furaste a cortina
grafitizaste-me o mural
e deixaste bem vincados
a foice e o martelo
sobre as águas nocturnas
da Ria de Aveiro

Tu vermelho
eu verde
no mesmo cigarro
que a penúria poupara
o barco
-duas câmaras de ar atadas-
chapinhava ritmos
chapiscava odes
tcháp-tcháp
this is the end”
trauteaste
beautiful friend”
ripostei
e ficámos vivos
tu Perestroyka
e eu sem linces na Malcata
nem sobreiros transmontanos

Trocámos poemas
trocámos as horas
escorrupichámos Mondegos
em noites piromagnas
Mas veio um carro
na curva do meu braço
levar-te
-nos
o que sobrou
da noite na Ria

tu e o teu suicídio
ambos falhados
ambos cumpridos

Um pontapé oculto



Rodrigo
cantos lúgubres e pagãos
Ozzis e Coopers e assim
teus olhos negrumes
os lábios palidez
aprendeste num dia
três acordes e uma canção

Foste rei
eu plebeu
Clepsidra
rodou teu tempo
cronificou teu andar
foste metrónomo poente
a noite vinha
estrelar-te a voz

Cantavas, Rodrigo, cantavas
novas canções que eram armas
-contra teu pai que nem o era-
cativaste versos de luta
e operários
compraste até
Como se fôra seu filho”

Teu pai banqueiro
emissora católica e pouco mais

as noites vinham
estrelar-te a voz.

Até ao tombo na escada
-pontapé certeiro no incomodativo-
tu escada abaixo
e o Zeca janela afora

Sussurro-te baixinho
pra não dizerem que não falei de flores”
deixei o cravo mais atrás
ali onde o Carlos jaz
cantemos amigos
A morte saíu à rua num dia assim...”

Enforcamento em mi bordão



Com mi bordão
autopsiado
corte na garganta
teu último canto
asfixiado
tangeste a sexta
com o peso do teu corpo

As raparigas
tiveram soluços e lágrimas
mas não o choro
de “Dulcineias”

Pendulaste o ritmo
por minutos
assim contados
e foste sem o amor que despertavas

Levaste
o corpo balofo
e as mãos crispadas
num derradeiro acorde
-sem poderes jamais acordar-

Vi a pedra tumular
nada diz
sequer
Amigo, maior que o pensamento...”

Levei-te um cravo
arrepanhado murcho
no monte que ninguém quer

Foi Abril
quase Maio
por sobre a mesa
Sá Carneiro
e o “livro em branco”
aquele em que eu escrevia
aberto
esventrado
no poema

Embala-me
embala-te
leva-me contigo
que mortes não há
tua voz é vida e gestação
adormecem noites dedilhadas...”

Hoje queimei teus restos
incinerei o caderno
e vadiada a noite
visitei teu túmulo
mortes há, amigo, mortes houve

Joana Anjos



Gradeado espaço
pétrico jardim
um de Novembro
romaria em ti

Pálidas as luas
esmorecidos os sóis
além te foste
e só eu te sei

Lembras-te como doeu
aquele sorrido adeus
a mão estendida
dedos abertos
polegar erecto
médio
indicador
bifurcação
V de vitória
escorreu a lágrima

Recordo ainda
teu corpo lívido
após amarmos.

Eu morro
disseste
assim o fizeste
secaste a glande
e o seu tronco
abriste o copo
e o poema
no canto
onde o primeiro beijo aconteceu
morreste

Hoje não bebo
nem acendo cigarros
o poema escorre

Tu vieste esta noite
tules rendilhados
e fármaco antigo
angélica
ouço os ecos do meu ir
em tua busca
e choro

choro o que não chorei ontem
a tua campa humedece

sábado, 5 de fevereiro de 2011

s ó cio

Solidão
um cravo numa jarra
água imunda
os dias que não chegam
e as semanas que passam

Todos têm um cigarro
ou copo de ócio
nas paredes um relógio
incandescente
vai-se o sol vai-se a hora

Fica o teu corpo
inundado de ecos
tactos de noites
solidão
tu própria

Um cravo numa jarra
mudo a água.


Suspeitas
ledas madeixas carnais
infernos nos leitos
e pente imoral

Traição
outras tomam
tu estrebuchas
tu resmungas
de mão fechada

por aí escapo
muito melhor.


Volteio a palavra
debaixo de lapas
há bichos estranhos
e fuçam em movimentos
perpétuos
as areias mornas
o sol vítreo
e a água do rio
num verbo só
se alguém entender
que o explique

O tentilhão debulha o milho
com sagueza
ínsuas cartográficas
sem perceberem

Os corvos lêem nas nuvens
não acredito
Os falcões lêem urina
ai já
pobre do rato
que assim o rumo marca.
E eis a palavra volteada
ócio

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Alegoria do buraco




Coloca mais um tijolo,
Levanta alta a parede
E põe cortinas de ferro.
Coloca também persianas
De chapa de aço esmaltado.
Reforça a alegoria
Do buraco onde me encerras.

Faz-me sentir os teus passos,
Adivinhá-los no escuro;
Sonhar com afagos teus
E desenhar teu perfil
Com as sombras que me cercam.

Se topo um raio de luz,
Não o sei bicho ou pessoa,
Sequer o sei como tal.
E quando passa uma sombra
Pergunto-me se é o sol
Que vozes vão comentando..

Se por fresta entra o frio
Indago-me se tu o sopras
Ou se outralguém o faz.
“E quem será?” Me pergunto.
“Porque razão o fará?”

Mas vejo, está tudo errado;
Fôra isto um buraco,
Uma isolação do mundo,
Não saberia eu escrever
Nem tampouco questionar.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Genesis lilítico

Amo-te e não te quero,
Rosa tardia no meu jardim agreste.
Tenho amigos que o não são
Por esses faces-books fora
(Esta do hífen é intencional
porque sei que o entendes).
Tenho Almeidas no meu passado que não varrem,
Sequer sopram folhas outonais.
Assim como tenho copos de vinho
(Encho um)
Que te não agradam... mas sou eu.
Eu a gostar de beber este copo
E a gostar de escrever
Sem proibições de quem não escreve para além de receitas.
Sou eu
(e a minha irmã Adélia
E a Benilde; até o Mário)
Sou eu a falar alto,
A dizer mal do Mundo
E com vontade de chorar e dizer apenas bem...

Não o sei... ensinaram-mo, é certo!;
Mas dizer bem do que está errado nunca foi do meu agrado.
Sou javali fuçante nos degraus que tu subiste.
Não porque queira que desças...
Sou eu que não sei subir.

Tenho à minha frente
Os futuros que ninguém vê!
Assim fôra, há muito que alguém o predissera...
Eu sou um passado velho,
Tão velho que o não sei escrever.
Outralguém por mim o fez...

É fácil ouvir canções
E cantá-las fazendo-as nossas.
Mas ouve a Noite do Zé Mário
E medita -ainda que o não queiras-
Por muito que sejam nossas...
Andamos na boca dos outros.

Andamos na boca do mundo
Como o Fernando que desce o Tovim
De mão dada com o “amigo”.
Somos tema de conversa
Que nós próprios não conversamos.

Dói. Tudo dói!
Porque sim... porque eu vivo!
Porque eu queria descer todos os Tovins
Contigo e sem mais quê!
Mas não desço.
Ato-me a estas coisas,
Às virtualidades da “net”
E escrevo-te poemas que o powerpoint desconhece
E o Translator, todo google, atrapalha.
Falamos, amor, língua desconhecida.
E eu que pensava amor ser isso mesmo,
Vejo-me defronte a livros,
A dicionários e ainda que recusando
Aos tratados do Régio e aos versos do Pessoa.

Eu, que nem sei o que paulismo é.
E toda essa coisa do interseccionismo...
Não sei o mínimo para te poder saber.
Trago ignorância até no pénis.
Aquela coisinha que dizem pensa por nós.

Triste de mim,
Que tenho os teus olhos,
Os teus lábios e esta merda de amor
Que ninguém entende.

Sim, digo asneiras,
Solto impropérios.
Tal qual tu o fazes...
Mas a mim não fica bem!
Eu apopléxico crónico
Com raivas ancestrais
Que ninguém sabe curar,
Eu devo calar...

Calo, acredita!, acredita queo faço.

Tenho mudez até nas camisas que visto.
Trago mudez nas palavras que digo.

Minto. Minto se calo e calo se minto.
Ouves o meu silêncio?
É a dialéctica do amor,
Aquele das feridas e dos fogos.

Tenho que morrer, um dia, decidido.
Hoje não. Tu fazes-me sentir vivo.
Demónios te levem!

A paz que em mim semeara
Tu alevantaste-a como um tufão,
E nem sequer geraste raiva.
Renego-te, Lilith, renego-te.
Um deus virá contrariar-te,
Fazer de mim infeliz
E prostrar uma Eva a meus pés.

Arranco as flores de Éden
E mando ao diabo o deus
Que de mim molda um adão!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Poemas de tasco e moinhos de vento

A.

D. Quixote perdeu a guerra
Contra os moinhos de vento;
E estes perderam, pedra a pedra,
A sua guerra contra o tempo.

Mas, diz Daniel Abrunheiro,
Criaram-se máquinas maravilhosas,
Superiores a qualquer cavaleiro,
E, entre elas, torres poderosas.

Não de Babel, mas as sim eólicas
Que fazem erguer lanças e panças,
Quer de multis, quer ecológicas,
Cada qual rédea das nossas esp´ranças.

E bem ao lado destes mamutes,
Progressistas dragões de asas largas,
Fazem, sem que alguem o permuta,
Centrais nucleares suas descargas.

Se deixaram explodir Tschernobil
Dizendo não ter sido prejudicial,
Peço, sem pretender ser ignóbil,
Deixem tambem as torres do mal

Rodarem nos rodízios do tempo;
Sempre quero ver daqui a anos
Se esses ruins moinhos de vento
Também causam mortais danos.

B.

Nas obras que já obrei,
(No sentido lato do verbo)
Há uma parte de mim,
Como se cada palavra fosse
Um pingo de sangue
Ou mesmo um elo genético
Que eu perco ou transmito.
Por isso, às vezes, penso
Que não morro,
Apenas me empalavro...

Era bom se assim fosse.

C.

Sou poeta de murais;
Não há espaço de cal
Onde não escreva um verso,
Daqueles invisíveis,
Dos versos das entrelinhas.

E agora dizes tu
Que tal coisa nunca viste.

É preciso ler nas entrelinhas.

D.

Sou um leitor fanático
Do Quino sem palavras;
Ele escreve num traço
Encíclicas e bulas,
Ensaios e constituições...

É perigoso seguir,
Desde o princípio ao fim,
Um risco do Quino.

E.

Homer Simpson é a reencarnação de Cristo:
Isto é bom, é bom.
Isto é mau, é bom.

Eu sei!,
Homer é uma figura fictícia.

F.

Ao fim da Cumeada,
Ali, onde a curva dos carris
-linha 3, Santo António-
Era quase um ângulo recto.
Ali, no princípio da rua
Que levou poetas e outros
Ao penedo da Saudade,
Numa rua que Abril marcou,
Um slogan;
Um apelo ou uma ordem.
No entanto,
Um desafio à moral.
-Ou apenas mera obscenidade.-
"Vota nos colhões do Zorro"

>Lamentavelmente nos boletins de voto
não constava esta possibilidade<

G.
Eu não sei de palavras difíceis,
De filosofias profundas,
Dekantadas ou descartadas.
Não. Eu sei
Falar à ou de boca cheia
E ponho os cotovelos na mesa.
E digo que o Benfica é uma merda
Porque calha;
Podia muito bem ser o Liverpool ou o Real.
Eu não sou poeta de tertúlias,
-Nem sei bem o que isso é-.
Sou apenas mais um
Que aprendeu o "aeiou";
As consoantes são mais difíceis...
Nem sei se as aprendi todas
No silêncio a que fui
Frequentemente obrigado.  


Amor, anda

Amor, anda
Desfolhar as árvores
E aplainar ondas.

Amor, anda
Repenicar espinhos
E soprar estrelas.

Anda, Amor,
Não me deixes envelhecer,
Não me deixes morder o pó que levantas
Quando corro atrás de ti.

Olha, Amor
Se vieres irei contigo,
Como outrora,
Pelos becos de Coimbra.
Tomar-te-ei os lábios
De encontro à Casa da Nau.

Anda, Amor,
Por ti serei realista.
Por ti, atirarei fora a bengala,
Endireitarei os costados,
Aplainarei as rugas,
Quer do corpo quer da alma.

Olha, Amor,
Se vieres irei contigo
Acender luares no Mondego,
Tomar-te da Estrela à Foz.

Anda, Amor,
Reaguçar arames farpados
Que se revolteiem no estômago.

Tira-me deste Penedo da Saudade,
Deste fado que não canto.

Vês ao longe aquela estrela?
Nunca soubemos qual era...
E fomos donos do desconhecido.

Amor, se não vieres hoje
Amanhã não estarei por cá,
Mas sim do outro lado,
Dentro da Quinta das Lágrimas...

"Estavas, linda Inês, posta em sossego..."


Emigrante 

Emigrante sem economia,
Sem sindicato nem contracto;
Sem outra bolsa
Que não um Livro em Branco.

Desço Reeperbahn à noite,
Rua Direita mais longa e mais brilhante.

Algures, no mistério das memórias
Que se mesclam nos néons da realidade
Há-de existir uma Democrática,
Um Museu, uma Diligência;
Enfim, uma Clepsidra.

Emigro de bar em bar,
Busco o meu fado num copo
Cujo fundo espelha a alma.

Tacteio as horas tão sózinhas...

Emigrante.
Hamburgo que me acolheu
Sem me perguntar o nome,
Vinga-se agora de mim
Por nele procurar Coimbra.

Ao reconhecer o meu erro,
Deixo de ser emigrante.
Faço-me lanterna de rua,
Banco de jardim,
Partícula carbónica cuspida
Por um navio no cais
E sou Hamburgo por inteiro.

Atraco então no bar
Que as trevas quase não deixam ver
E dou com um grupo punk
Na clandestinidade do tempo
Arrepiando guitarras e maltratando a bateria;
O vocalista berrando:
"A morte saíu à rua num dia assim..."

"A vida, amigo," pensei, "a vida..."
E voltei a ser emigrante.


Um copo

Os teus lábios, amor,
Que o piri-piri abrasou
Continuam com sal de Aveiro.
Tens odores a moliço.

Eu trago na roupa
O odor do pólen dos milheirais,
O forte cheiro da barba de milho;
Por isso entendo o teu aroma.

Ana Paula, ah, Ana Paula...
Como me sabes à bifana
Suculenta e apetitosa,
Como me sabes a moelas!

Como me sabes a vinho
E a cantigas que as sombras cantam!
Como me sabes a Clepsidra
E me soas a João Queirós.

Como te amo, Ana Paula, como te amo!
E isto apenas após um copo.
Estivera eu ébrio, amor...
Estivera eu ébrio!...

Sou um rio 

Sou um rio
Com salgueiros debruçados sobre mim,
Hastes a fustigarem-me o corpo.

Sou um rio
Com águas mansas e águas bravas.

Sou um rio
Com barragens energéticas.

Sou um rio
Onde a populaça se banha.

Sou um rio,
De margem a margem...

Se terei coragem de o ser
Da nascente até à foz?


Carmencita Dolores


Foi numa páscoa qualquer,
Apesar da juventude,
Eu fui homem e tu mulher.

O tempo que tudo apaga
Não apagou da memória
O Parque Manuel de Braga.

Retornaste à tua urbe
Algures junto a Madrid
E eu fiquei como pude...

Com dezassete, era Agosto,
E já caminhava no parque,
Solitário e triste rosto.

Quem inventou tais Dolores
Que de Espanha me vieram?
Diz o poeta: Os amores...

E então li poesia
E vi teu rosto, claro,
Como o vira no tal dia.

Um poema, um só poema
Chegou pra me dizer
Que a dor valia a pena.

Hoje não sei melhor amar,
Carmencita Dolores,
Mas sei a dor suportar.

E quando volto ao parque
Sinto o amor pelos cantos,
Sinto-o por toda a parte.

Tanto se ama e desama
E nunca se aprende tal arte.


Hei-de...
 
Hei-de ler Cristóvão de Aguiar até ao fim,
Hei-de ser açoreano nos canais do Nemésio
-Que humilde na minha terra viveu-.
Hei-de contar contos do Torga
-Que no Tovim seu amor conheceu.
Hei-de subir olivais no cerco de Mário Braga
Desde a Baixa até ao Casal do Lobo
E hei-de lembrar sempre Aida Ventura
Que em mim plantou este desejo de ler.

Mas hei-de odiar até ao fim
Quem destrói o meu Tovim
Sem lhe entender uma palavra,
Uma viela sequer!...


Lufadas de ar

Tropeço
Por descuido.
Um olhar na esquina que as rugas dobram
E o passo desajeitado de quem abandona o tasco.

-Fui marinheiro!
Sem barco nem ousadia.
As minhas descobertas estão pregadas
Em tábuas de faquir.

Presto atenção.

Quando me abandono
Sinto a sombra que me segue,
Que me persegue,
Que me encurrala.

Deixei de querer saber de mim.
Mas continuo a perguntar-me
Por onde andas tu...

Se ao menos pudesse amar-te de novo...
... e morrer, sem remorsos, de não te ter vivido.


Já que não vieste

Hoje não vieste;
Também não sei se te esperava.
O crepúsculo das águas a refulgirem-me nos olhos;
Sempre este maldito rio a banhar-me a alma.
Um dia afogá-lo-ei nas minhas incertezas,
Apertar-lhe-ei as barragens.
Uma gaivota perdida
Acenou-me da ponte de Santa Clara;
As aves andam como eu,
A fugir dos exílios na sua própria terra.
E tu não vieste.
As horas ferradas na amurada
Foram inútil tropel.
Sempre este maldito rio e esta amurada alta.
Alguem me acenou dum cartaz;
Alguem que quer exilar as aves.
Jamais lhe falarei da gaivota perdida.

Ganhei coragem e saltei.
Juntei-me ao rio e fui com ele.
Já que tu não vieste,
Liberdade,
Irei eu atrás de ti.


São corvos, minha senhora 

Necrófilos,
Insaciáveis,
Inteligentes;
Aprendem até a falar.

Havia-os por cá,
Agora, não sei se os há.

Sentado ao sol de Julho,
À porta do Santa Cruz,
Recordava eu estas aves
Quando uma senhora ao lado
Vendo comitiva aperaltada
A entrar para o Município,
Pergunta com voz de afecto:
Ai, mas que bichos são aqueles?
E eu no meu pensar,
Disse (aliás sem pensar):
-São corvos, minha senhora.



Vou-me deitar

Vou-me deitar ao vento,
À sombra das capas dum livro
E pousar os olhos cansados no regaço do regato.

Recordar
A vertiginosa névoa matinal
Que a noite assombrou
Sobre o corpo mondeguino.

Às vezes tenho destas coisas,
De cordeiro fatigado com as cabriolices do dia,
E bucolizo por instantes o meu ser.

Penso,
(que às vezes também me dá para isso),
Ser o sol uma mentira,
Uma história já velhinha que trago desde criança
No rosto desmazelado.

E rio.
E sinto um raio de luz
A convencer-me que o sol
Não é mentira nenhuma

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Desversificado por instante

Escorreitas as veias,
Sem lufada de ar
E olhos vítreos
Me despeço.

Aos trinados que os cães soltam
E aos hinos que gatos entoam
Não dou ouvidos.

A minha vida foi ontem,
Por instantes, aquando
A cabeça no teu regaço.

A minha vida não foi
Antes de o ter sido ontem.

Amanhã, cotovelos poídos,
Joelhos ainda mais
E lábios ressequidos.

Não farei esboço
Nem gesto disso.
Pingam-me as horas
Ao longo dos pulsos
E estremeço de gozo.

São horas de alguma coisa.
De ir votar, talvez;
Ou lavar o automóvel.

Nunca para um suicídio.
Tenho um Rolex suiço,
Daqueles que impedem dessas coisas,
Como o Fiat do Namora,
No meu futuro.

Embora eu saiba,
Disse-mo uma professora,
Que eu não tenho futuro.
Eu posso bem pensar
Que o amanhã não existe.

Eu posso sentir-me cristo quotidiano;
Pregar amores por aí fora
E deixar-me crucificar.

Tudo isso numa boa vontade a deus
E maior aos homens,
Nunca às mulheres!
Vade retro!
E o diabo a sete...

Espreito os seios à noite,
Por sabê-la mulher fácil,
E aconchego-me nas suas ancas
Em retrocesso.
Faço-me Baco e espero o Ro.

Tudo chega. A seu tempo tudo chega
E tudo chaga.
Até o bicho da madeira
Rejeita a minha cruz.
Uma discriminação aleatória,
Disse-me um dia uma profe.
Chamei-lhe pleonasmo
E ela: Mal educado!

Não gosto de mim,
Nem mesmo à chapada.
Venha lá quem vier,
Os dias nunca foram feitos assim.
Não com esta intenção,
De andar a chatear quem os vive.

E sobretudo quem os morre.
Dei contigo. À minha janela.
Amanhã que não terei
Ver-te-ei enforcada num anúncio
Sem nunca te ter conhecido.

São porreiras estas coisas virtuais
Que unem os desarranjados da alma;
Deixamos de nos suicidar sozinhos
Para suicidar até os outros
E termos quem cante:
“I don´t like mondays”.

Roubaram-me o sono de hoje
E eu de mal com os psiquiatras.
Se ao menos fumasse...
Um charrito de ervas medicinais
Só por questões de saúde
Seria melhor que ópio.

E este é danado prá poesia,
Aquela que a médica me proibiu
Por excessiva.

Tenho dores, cólicas...
Aproxima-se uma gastrite
Ou uma megalomania.
O que é certo é que é errada.
Não estou com cabeça para isso
E o recto anda tão curvo...

Ontem passei sem versos,
Àparte este ou aquele que o foi;
Ontem desversifiquei a mona
Mas nem por isso ruiu o mundo
Nem eu me senti melhor.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

T O V I M Tovim (de Cima)

T O V I M

Tovim (de Cima)

1.
O sol esbate-se pela encosta,
Lambe as paredes dos prédios
E atira sombras pelas ruas.

O vento revolteia-se, frio;
Recusa verões quando o inverno acontece
E rodopia pelos cantos,
Varre de gelo as paredes
Que o sol teima em lamber.

Em mim até o tempo resmunga,
Até o gelo se derrete,
O vento pára e o sol se esconde.

Viro-me às avessas.
Quero antes o tempo lá de fora.

2.
Lembro as valetas de outrora
E os barcos de papel,
De carcódia ou de cana;
Lembro os pés descalços
E as calças com fundilhos;
O caderno escolar
E até os versos primeiros:

Um dia em mim nascerás flor;
Vou-te regar com beijos.

Tu não acreditas
E o tempo murcha-te.

2a.
Lembro a professora e o livro
-o proibido-
Lembro os versos e o medo
Dos vocábulos gigantescos;
Do lasso -não era laço, juro-
Que eu não pude entender.

Lembro o alcatrão abaulado
E as lascas de pedra rosa,
Ou caco de vaso ou telha,
Lembro tudo quanto dava
Para um risco traçar.

E lembro os dias de rio,
Das espigas verdes do milho,
Dos melões, uvas, laranjas,
De tudo o que nós roubámos
Para atenuar o caminho.

Lembro até os açoites bravos
A castigarem-me a infância.

De nada serviram, pai!,
Só me aumentaram os dias
Em que quero ser criança.

3.
A internet abre fissuras
Por onde tu espreitas,
Oculta por trás de fotos
Que não as tuas.

Falas de interesses que não interessam
E gostas até de livros que a boa crítica gosta,
Dos filmes que estão na berra
E vês o “gato fedorento” por uma intenção política.

Eu faço quase tudo isso
-sem foto-,
Falo do que me interessa e do mais desinteressante,
E gosto de livros – se gosto! - que a crítica nunca leu.
E televisão não vejo,
Vejo o drama desta terra,
Deste Tovim que já viu
Muito poema nascer...
E nem consegue ser verso.

Olha mando-te daqui um smiley: :p

4.
Ontem li Espanca
E espreitei os pulsos do Carneiro
Ainda pulsantes, sem lenhos.

Olhei o quadro do Paulo,
Peguei no livro do Cintra
E li qualquer coisa ao acaso.

Anda para aí tanto artista,
Tanto pintor e poeta,
Tanto, tanto, tanto...

Que se um dia der por mim
Numa parede qualquer
É porque lá existe um espelho.

5.
Todos nós temos memórias;
Umas mais esquecidas,
Outras mais lembradas.

Dos carros de rolamentos
E do roubo das tangerinas.

Um verão a atazoar e os pés descalços;
Os calções de calças velhas,
Mais fundilho que calção;
Camisola de curta manga:
Tronco nu não faz abada.

O buraco no silvado
E o arrojo de criança.

Roubo! De fruta.

Crime que a GNR, senhora de outrora,
Não perseguia.
1969
Perseguia na altura
Estudantes e outros que sim
A dizer não.

Até as laranjas do pide não escapavam.

Os cães de então eram vadios,
Eram crianças,
Éramos nós.

Latidos largos, sonoros,
Gargalhadas.

Tovim.

Atirado ali pela encosta
Que Mário Braga “cercou”

Tovim.

Na memória.
A tua semana passada.
A minha infância.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Maldito de quem o leia

Sim, maldito de quem o leia,
este pedaço de asno, este pernil de mim.

ontem morri por acaso, hoje já foi suicídio
amanhã, a merda toda, não haverá funeral!
Fico vivo pra morrer
ou para me suicidar
sempre culpado de mim
sempre com a culpa de outros...
sim, maldito quem fôr ler isto

eu morro hoje... como ontem
Regresso na próxima esquina
e vós que me "conheceis"
direis: então de novo por cá?

eu morri sem darem por isso
e pretendeis vós conhecer-me???

Eu morri há muitos anos.
As palavras que ouvis são ecos
Vós bem sabeis... faz-vos sentir-me vivo
e aliviais a culpa,
mas eu morri faz já décadas!!!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Poemas a (ou de) um quadro (do Paulo Pereira)

1.
O azul cerrado intempestivo,
Assim meus dias,
O abismal despertar
Já se faz noite.
Olho-te, quadro bruto,
E enterneço.

2.
De nuvens cercado o acordar.
Violenta na vesícula a manhã desponta.
Erecto o órgão que procria.
Um fogo de vista que esmorece
Quando de si mesmo a chuva cai.

3.
Ando em remoinhos etários, busco idades concebidas e morro,
dia a dia,
frente aos vidros dos espelhos que quebrei.

Tal rio escorrido de águas, assim meu leito.
Os xistos acerados, palavras tuas, nelas me deito...
Assim te amo,
em socalcos nocturnos que o teu olhar em mim cavou.

E foi nos lábios da manhã que te beijei
Ainda não reposto o sono de ontem.
O inverno escorre nas paredes e eu nelas murado.
Trago uma erecção póstuma...
nem um orgasmo me vales.
Um pirete, talvez...

4.
Há fogos fátuos na derme.
Da tela defronte te pressuponho,
Gazela esgazeada,
Galgando as grades que em mim vestes.
Eu, tartaruga, de fraca carapaça
Refugio os versos na pintura.
A ti, selvagem, não os quero dar.

E sinto ganas de pintar também azuis
E muitos fogos.
E sinto ganas... cachopa, sinto ganas.

Os fogos em mim são cinzas.

5.

Não és o centro do meu universo,
uma linha concentrica, talvez, na fronteira da razão.
De passos, nada... só se vieres a salto de coelho.

Tenho sangue nas mãos
De tanto depositar caules já frios
De girassol mirrado.
São quem gosta de ti,
Os teus carrascos.
Plastificam-te num ramo silvestre.
Colho flores de plástico na putrefacção das jarras.
Tenho ainda sangue nas mãos...

Agora embriago-me e como queijo -fresco-
Com sal -bastante- e pimenta -quanto baste-
Dou um beijo à Elsa, a vangloriar-me
e bebo Cergal -nunca a Sagres, que o marketing a mim não verga-
Eu sou o rei dos salgadinhos.

Daí desejar teu corpo banhado na costa,
Daí desejar teu fim do dia.

E mais uma dentada e mais um sorvo.
Embriago-me sim, mas não com álcool.

É o prazer, carago, é o prazer!


Não compreendo as pessoas
Que me querem convencer de que não tenho futuro...

Falta-me o passado, caraças!, passado tambem não tenho!

5a.
E odeio -até nem sou disso-
Os idiotas que tirararam o sal ao pão...
Ao queijo e até às batatas fritas.

Esses paspalhos andam agora
a importar salgadinhos.

A Cergal é holandesa,
A Super Bock é de arroz
E a Sagres não a suporto.

Atirem-me com uma Franziskaner
Ou Paulaner. Astra, Holstein, Tannenzäpfle,
Kölsch, Erdinger, Becks -nem por isso-
Warsteiner -vá que não vá-.

Cerveja seja ela boa -alemã-
Vinho, não se discute!

Ai, Portugal, Portugal.

Um desconsolo, te digo.
Aos doces tiraram este.
Os salgados nem de início...
um dia, verás, nem o vinho será de uvas.


Quero um guizado de favas.
Ponham lá o que quiserem!
Chouriço e seus compinchas,
Daqueles que fazem mal
-Sobretudo aos que os não comem.-
Entremeada ou toucinho,
Entrecosto entra bem.
Até um ovo escalfado.
Uns cubinhos de batata,
Não os nego -se a fava é cara.-
Ponham até, se puderem
E a tiverem,
Malagueta bem bravia.
Dêem-me cabo das gastrites,
Arrebentem com os níveis
Diabético-colesterais.
Mas quero um guizado de favas.


6.
Se alguem nos bate à porta
E nos tráz sem que o saiba
Recordações amigáveis
Faz logo de nós amigos
De tempos que não viveram.

7.
Eis, razão das minhas penas;
Descalabro, dedos febris
Um tremor de mãos senis.
Tu excitas não amenas.
 
Tu revoltas e reviras,
Tu escombras e eriges
Eu herege, tu logo exiges
Que arda eu em altas piras.
 
Eu, pecador me confesso:
-De te chamar ando rouco-
Corro para ti e sou louco
Fujo de ti e enlouqueço.

8.
Ali, na amurada, pedra cinzenta
Como se nela fôra nascida,
Estava ela, flor, Margarida,
Sob sol amigo que acalenta.

Diz, beleza, quem intenta
Cortar-te, fazer-te ferida.
Eu darei por ti a minha vida
Contra quem te apoquenta.

Mas tu, flor, que nem me vês,
Ali ficas e eu cá vou
Olho-te inda de revés.

Penas, ai tu não mas dês,
Pois penado já eu estou
Da minha cabeça aos pés.

8.
Abrem-se prados...
eu vou, borboleta instantânea ,
beber-te o pólen. Fecundar-te, um dia, ao menos.

Tu decepas as asas até mesmo aos casulos...
jamais haverá metamorfose...

E amo-te.
Como se te amar fosse desconchavar
Os dias em vão
Crer... podes crer... eu não sei, não acredito.
Olho só por olhar. Já não vejo. Crê, podes crer.

9.
Dei três sopapos no quadro
E logo me enchi de olheiras.
Trago os lábios sangrando
De tanto murro que dei.

Bato.
Batuco... ouço música,
E rodo o copo,
Torço o corpo.

Clic, clic...
E mordo a ponta.
Raz-raz
Escrevo o soco.

Violento na caneta
As trompas do meu poema.

Por sobre a mesa vais tu,
Apressada no vagar -ou vazar?

Levas-me o azul da tela.
Fica o fogo, ficam fogos
E até o impropério que atiro atrás de ti
Fica aqui. Cai-me à frente.
Ri-se de mim.

Bato.
Batuco... já sem música.
Essa foi atrás de ti,
Velhaca!...

Fico aqui por ali,
à volta desta lareira.
Vê os meus belos poemas.
Como ardem, como aquecem.
Como servem. Como servem...

Perdido de Raiva Terceira e última pedrada

Terceira pedrada
(Já sem força)

1.
Deponho as armas.

Erejo estátuas ao herói de ultra-mim.
Perdi a guerra e o corpo porque lutei,
Mas tu és livre, independente.
Não te faças ex-colónia!

2.
Deixo-te rastos visíveis,
Socalcos que te dirijam,
Veredas delimitadas.
Não há que errar caminho.

Bifurca-se a estrada, bem sei,
Mas segue como tu queiras
Que a minha estadia é um pêndulo.
Entre as vias que tomares
Algures te encontrarei.

Só tens que seguir em frente.

3.
Após muito escrever
Respiro fundo,
Tombo a cabeça no ombro
-o meu-
E deixo-me adormecer.
Estou limpo.
Incólume.
Renasço
Esquecido de outonos
E assiamesado com os dias.

Sou sol se assim fôr
Ou chuva se assim idem.
Abandono os poemas.

[Sei bem
Que em rasgos violentos
De incapacidade timoneira
O leme foge das mãos
E uns versos acontecem
Em toalhetes de papel,
Guardanapo ou coisa tal.

Mas são vãos.]

4.
Uma pausa,
Um suspírio de desalívio
-Tenho os dedos prenhes-
E vou para a conversa.

Ainda bem
Está aqui o Paulo
-Pereira-
E tem Migueis
-d´Angelos-
E outros cromos
-de cromáticos-
Sobre quem falar.

Assim acontecem pinturas;
Pigmentos pululam no diálogo,
Diluentes e colas
-ou outro nome que nem lhes sei
ou não me lembro-.
O que quer que seja.
Tudo! Tudo
Menos o Álvaro de Campos
Ou José Régio.
Tudo menos o Sá Carneiro.

Mas não se pode...

Alma
de negrumes
de-negrida
de-negreiros.
Castigos láticos.
Agora páro:
-Láticos? Que raio é isso?!...
Látegos, sim devem ser látegos.
Ando esquecido,
Ando longe de mim e da minha língua;
Ando perdido...
de raiva...

E quero falar de Rembrandt,
Do Noiret (que é Thomé)
E até daquele pintor
Que nome tem e não o tem.

Falo das cores,
Falo das formas,
-falo de ti-
E sobre as mesclas que escorrem
Cromáticas
Sobre os versos
Com que me espancas.
Perdão, espantas!

Um brandy e uma lata.
E o Paulo
Que sabe mais do que eu
E assim o mostra,
Fala-me de misturas que se diluem,
De tintas que se apaixonam
E desvanecem.
E de telas
-quem dera tê-las-
E flores.

Agora esquivo;
Finta de corpo
Que há anos o basquete me cravou
E passo a bola.

Flores não
Que têm espinhos!

Paulo não sabe disso.
Por certo colhe flores
Em prados e não nas urbes.

Enfim, o dia esbate-se nas telas,
As luzes acendem-se nas janelas,
Os poemas cerram portas
E uma amêndoa amarga fecha o dia.

Adeus, pessoal.
Quadro findo.

5.
Tenho que encerrar este livro.
Decepar os olhos que te viram,
Incendiar os troncos derrubados
E soprar cinzas ao vento.

Definir definitivamente o tom,
A cor, o traço e a geometria;
Cravar pináculos no tecto
E abarrocar o estilo.

Tenho que terminar
As capelas imperfeitas.

Cercam-me cordas manuelinas,
Flamejantes telhados
Os que me cobrem;
Abóbadas ecoam os meus passos
Neste convento que não convence.

De joelhos imploro:
-Um carinho, por quem sois!

Na fileira de estátuas
Que criam as memórias,
Todas elas muito puras,
Mármore alvo, alvíssimo,
Mas gélidas, frias de amor,
Nem um afago, sequer um gesto!

Tenho que encerrar este livro!

6.
Caramba,
Vou aos tombos pelas rimas abaixo
Embalado por uma super bock
Na espera que telefones...

Não consigo encerrar o livro!

Há poemas do Filipe (o Daniel)
Que quero cantar contigo.
(Ensinas-me?)

A chuva tolheu-me os passos.
Um novo convite à super confunde-me.
-Telefonaras tu ao menos-
Vou beber. Vou ficar
À espera que a chuva passe.
Fico.

Estou a sentir-me ébrio
E bebo para o sentir
Porque sei que tu não gostas.
Faço-me-te mal. Porquê?
Se ao menos telefonasses...

Dou a dentada no tremoço,
Sorvo-lhe o sal e sei teu corpo:
Húmido, macio, apetitoso...

Não.
Definitivamente
Com uma super e um pires de tais tremoços
Não encerrarei o livro!


7.
Amo-te.

E agora o descalabro.
O porquê que não tem porque.

Amo-te.

E choro.

Puta que pariu tal amor!


8.
Se o álcool me matasse
Decerto estaria eu morto.
Agora. Agora! Não ontem
Nem amanhã. Agora!

O álcool não assassina
Apenas estupidifica.

-Por isso falas de amor?
Porque estupidificaste?

E bebo um longo, looooooongo trago.
(Mas não trago nada,
só es...)

9.
Como raio consegues tu
Vir falar nos meus poemas?

Cala-te! Cala-te de vez!
Ou sê de vez o meu poema.


10.
Estou triste,
Dás-me um beijito?

Não dás, não dás, não dás.

Eu imploro com raiva
E tu chamas-me agressivo.

Porra, dá-me um beijito!

10 a.
Dá-me um beijito azul
Do tipo lápis doutrora.

Obriga-me a calar, ternura;
Asfixia-me o paleio;
Estrangula-me os dedos!

Tolhe-me o corpo, tolhe!
Tolhe!, se não eu fujo.

11.
Tomba a gota no caderno.
É lágrima de cera.
Pousa nela o verso quente
E lacro (ou lacrimo)
De vez o livro.

(Encerrado a seis – dia dos reis)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Apelo ao voto

(por entre as pedradas da raiva)

Apêlo/Apélo ao voto
-Que se lixem os Acôrdos/Acórdos
Acordo-os?... Espero bem!

Estou nas virilhas do sol
A revirar pedras
E a convencer ao voto.

Eu, que não vou ganhar
Mais
Que a sensação de ter jogado na lotaria
E não ter acertado.

Sim, estou no entre-pernas
-com ar revoluça
de intelectualóide político.-
A debitar sondagens.

Que se lixem os gastos da 2ª.
-volta!
A bem da democracia
Antes um copo a caminho das urnas
Que bebedeira dominical
A ver quem sai da igreja.

Apelo ao voto, sim!
Votem em mim
que não estou lá.
Votem em ti
que lá não estás!
Votem nos testículos do Zorro
Se caso fôr,
Mas votem!

Apologizo Zé Mário:
-”Antes em mim...
do que em quem-não-sei-que-há-de-vir!
Cabrões devindouros!!!”

Humifico a linguagem,
Planto cravos,
E digo adeus, depois dele.
E canto Grândolas de canções,
Canto Praças delas!
Tenho armas, vou à luta!

É pena seguir tal caminho
Por imposição,
Por dever!
É meu!, de direito!
E não o é porque é dever...

Alegre,
Mural antigo de Adrianos,
Conforto doce de quem não teve,
Longe da pátria, “facebooks”.
Voto em ti.
Não para te ver ganhar
Mas pra ver perder o outro.

Nobre,
Bem te sei, bem te elegia.
-Elegeria, será?-
Ando tão longe de verbos,
Conjugações e que tais...
Diz, Nobre, e tu que queres?...
Fato de pulha à medida
Ou preferes desfilar nu?
Queria ver-te, Nobre,
Queria ver-te... à frente
Não atrás.

Lopes, Lopes, Lopes...
Olhó texto! Olhó discurso!
O proletariado há muito que o não é
Essa tua/vossa posição de “o”
Cansou-me o dedo votante,
Ergueu o indicador.
Acuso-te/vos de lassos
Com laços que não enleiam.
Está(i)s velho(s)
-Barbudos de cãs inúmeras
retratais bem o Marx-
Para além disso nada mais.

Apélo (acentuo) ao voto, sim senhor.
Vamos lá como quem vai
-ao matadouro pra morrer
não pra matar-
E se sobrevivermos à ida
Não morreremos na “VOLTA”!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Perdido de Raiva

Segunda pedrada

1.
Reatirado para a mesa do canto,
Cerveja à frente
E derrame grãfico
Em poemas-que-ninguem-lê.
Mais um dia que amarelecerá nas folhas ambar
-caderno barato que as grandes superfícies
têm em “stock”-.

A tua voz apagou-se
E eu apaguei-me a par com ela.
Unidos
Num silêncio que não chateia,
Que não atira pedradas
Nem arrebata beijos.

Sou “Passageiro em trânsito”
Por momentos de leitura,
-Quem dera eu escrever assim!-
Mas sou sinaleiro sem braços
Numa encruzilhada engarrafada.

Estoiram-me os crâneos na cabeça dos dedos
E vejo bem porque é que eles só escrevem
Repetições banais;
Estão vazios...
Ecoam.
Estão vazios... vazios...

2.
A lata de “Finkbräu”
Refulge em sombras.
Quatro vírgula seis por cento,
É importante saber-se.
Dez latas serão quarenta e seis
Mas eu não tenho lata para isso.

Uma lata de “Finkbräu”
Alonga-se em minutos largos,
Compassada pelos versos hesitantes.
Devo eu falar de amor, amor?

Amor...
Uma bátega na íris,
Um incêndio nas pestanas,
Uma febre na franzida fronte
E depois.

As formas cúbicas do meu ser
Enrodilham-se no revirar dos seixos.
O Mondego galgou areais
E gela-me os pés.
Tolha-me o andar e o pensar.
Liquidifico memórias
E lá vais tu, amor, lá vais tu
Até à Foz.
Sim, Foz...(te).

Já volto às biqueiradas aos poemas,
Torço-lhes o sentido,
que a língua é minha,
Ouviste?!
Ponho acentos onde quero
E consoantes mudas onde aprouver.
Limpo o recto às convenções
E não patuo.
Se páro, páro!

Consoante muda...
-Rio-me de nós, pretensos literatos-
Consoante muda
É consoante-que-não-soa...
Assim fôra eu: mudo!
E de poesia sóbria
Mas trago a letra embriagada
-Mais um golo-
Aos tropeções nas vielas
Com esquinas onde os cães mijam
E onde borrachos vomitam.

Faço a pedra chata saltitar
Sobre as águas irrequietas;
Assim vou eu:
Pedra e águas,
A pedra até ao fundo,
As águas até ao sal.

O sol piscou-me o olho
E as nuvens abriram pernas
Pra me fecundarem o juízo.

O milhafre anda à toa,
Julga-me decerto presa
E eu sou preso...
Livre, solto, só o caderno,
O que acabei de atirar ao rio.
Vê!, Libertei os meus poemas,
Sangram azuis sobre as águas.
-Ou será que choram despedidas?-
Adeus, poemas, adeus...
-Adeus, poeta assassino, adeus...

Acendo a fogueira nas pedras
Onde outros já acenderam.
-Não fôra o frio aqui hoje dormiria-.
As chamas bailam -no bosque?-
E ouço trovas -Trovante?-
Do outro lado do rio... -É o Zeca?...-
Não, é o Sérgio
E o meu “primeiro dia”.
Se eu fosse por este rio acima -Fausto-
Chegaria a Penacova.
-Ouvi dizer é cidade-
Vou antes pelo rio abaixo,
Apressado, atrás dos versos.
-Os meus, verdadeiramente meus-
É tarde... é tarde.
E chove.

3.
Bastou uma lata: estou bêbedo!
Vou pedir outra para reforçar.
Antes embriaguês alcoólica
Do que estar ébrio de ti,
Dos teus versos, tuas penas.

Sacudo os odores que deixaste
E dou paulada às palavras,
Maldita a hora em que falo!
Estou ébrio, sim, estou ébrio!
Amo-te na palma da mão.

Olha, agora que não devemos
Nada um ao outro ou que seja,
Vou confessar-te um segredo:
Houve versos que não disse
Amor, nem to escrevi.

4.
Vou aceitar regras,
Acertar a métrica
E escrever sonetos.

Vai-te embora!
Não os vejas!

Ficam os sonetos por ler...

5.
Arquitectonicamente esclarecidos,
Fotográficos no roteiro do turismo,
Os poemas do poeta.
Elegeram-lhe um penedo,
Um museu, até uma rua
E uma linha no livro de não-sei-quê.

Os livros dele, porém,
Ficaram todos por ler.


6.
Um dia li um livro
-De poemas
Que é daqueles livros
Que se não lêem-.
Tomei-lhe o sabor;
Foi doce.
Soube a barricas de Aveiro
Daquelas com ovos moles.

Um dia li um livro,
Hoje ainda me lembro.

Em tempos escrevi um livro
Do qual não tenho memória.

7.
Acabei de reinventar Elsa.
-Não a que trago oculta
Nas penumbras da memória-.
Elsa mora em Aveiro
Ou perto disso,
Na Gafanha, naquela que é Nazaré.

Dou-lhe um aceno liberto
E uma caminhada na praia.
-Sem cavalos, que esta Elsa
Não está oculta nas memórias-.

Vamos em tropel de risos,
Dunas afora.

Até as estrelas do mar
Dão à costa
Para ouvir as gargalhadas.

E quando o sol se põe,
Restam-nos raios de nós
Fulgentes nos lábios
E damos, sem pedir em troca.

8.
Empurro-me ladeira acima,
Comboio ronceiro que a evolução esqueceu.
Resvalo nos trilhos;
Há que lá meter areias.
Ai, tasco longínquo aqui ao pé
(Ai versos lúdicos que jogam aos “potes”
Sem que a pide o saiba)

Ai de mim, comboio ronceiro
Que a evolução esqueceu.

Estação Café da Maia
Flor do Tovim
Finkbräu.

Ninguém saberá da minha dor;
Sofrerei esta cadeira
E costas curvas até ontem;
Beberei mais uma “jola”,
escreverei mais um poema
E darei resposta a quem me fala.

Empurro-me cadeira abaixo
E calo a esferográfica;
O amigo em frente labuta em tecnologias
Que me são alheias. -Ai pode, diz ele.
A chuva lá fora põe fumadores à porta
Como se fumassem cá dentro
-De mim-;
Tusso.
Escarro cigarros que outros fumam,
Um Pessoa cancerígeno
Que não bebe bicas
Mas Finkbräu.
Que não escreve poemas que se leiam,
Mas poemas que se esquecem,
Que se atiram ao rio
E sangram ou choram.
Deixam dúvidas.
Deixam-me
Duvidoso.

Eu comboio ronceiro
Que ninguém apanha.

9.
Googlei até à tua porta.
Roubei-te o cão e fui passear.
(Vai tu!)

O cão marca território,
Urina nos sítios certos;
O pobre que, prisioneiro,
Nem o pode defender.

Devolvo-te o cão por inteiro
E googlo de volta a casa.

Está descansada:
Por aí não urinei.

10.
Evito o teu nome nos poemas
Para que ninguém saiba quem tu és;
Tens medo de nós perante os outros.
-E perante ti também o vi-.

Não sou eu Quixote -nem Rocinante-
Para te portar amores que tu não queiras;
Nem pretendo desvendar os beijos,
As carícias e os sussurros.

Petrifico tumularmente a minha memória;
A que foi -ou fôra- nossa.
Não lhe escrevo epitáfios que lhe revelem vida.
Ficará mausoléu.
Ficará eu!
Eu, eternamente eu.
O cerne das mil desgraças.
O Zé Estragado da Infantaria Catorze!

Evito o teu nome, não evito o meu.

11.
Escorre inverno nas paredes.
Coagulados os olhos num porquê.
Coze o feijão e do tacho
Um hálito a fim do dia.

É noite, amor, é noite.

E continuo a falar sozinho.


12.
Ontem bateu à porta dos meus googles
Ou doutra comunidade analógica
Uma senhora -penso fingida-;
Foto no perfil, preto no branco,
Cigarro à bon vivant, à la bohémie.
Foto falsa, depreendi.

Os seus dados não os eram,
Pelo menos não os vi.
Mas trocam-se palavras, pois então.

Eu, por norma, já que não devo
Não tenho que recear.
E falo. Falo honestamente.
A senhora, contudo, oculta
Por trás das tecnologias
De si não dava impressão;
De mim, porém, tudo sabia:
Que eu era isto e aquilo,
Que eu era assim e assado;
Chegou mesmo o diagnóstico
Duma perturbação mental.
Bastou à tal senhora
Uma ou duas palavras minhas
Pra logo me engavetar
Entre alfarrábios de Freud.
Sai-lhe um ou outro dito
Que o meu behaviourismo literário
Lhe provoca. E numa hora,
Eis-me ali, nu, perante estranha.

Eu que há anos me procuro
E não me encontro.

13.
Dia outro,
Lata nova.

Liberto dos fâquebuques,
Dos emessénes,
Gugles
E amizades que o não são,
Ato-me à lata da “biâr”.

O espalha-brasas do costume
Ruge dixotes em desuso
E ri-se, pois, de si próprio.

As chávenas tilintam
E a TV irrita.
A cerveja sabe-me a tédio
E as palavras são forçadas.

O café é tranquilo espaço,
Não obstante.

Ouço um marulhar de folhas
Que o Calinas* possui (*jornal Diário de Coimbra)
Como se alguém o lessse.

Tovim dorme.
O Tovim dorme sempre
Embalado na escarpa antiga
Do outrora Vale do Ferro,
Tovim dorme.

Estes vestígios de vida
São sobressaltos noctívagos,
Irrequietos sonos
Em pleno dia.

Pois o Tovim dorme,
O Tovim dorme sempre;
Por isso voltei pra cá:
Para poder dormir com ele.

14.
Ainda te não “conheci”
-Elsa reinventada-
Mas já te saltei à foto,
Arrebatei-te um beijo
E ri de rijo;
Atirei-te ao chão
E fiz-te cócegas.

Depois,
Antes que por isso desses
Estava longe
A mandar-te emails...
Que guardo como poemas.

A ti te ponho hoje junto à Teresa
Que existiu sem o ter feito.
A ti escrevo versos, ó Dinamene;
Não sonetos que os não sei...
A ti te reinvento, sim, ó alma gémea,
E acendo velas que refulgem nos meus pulsos.
A ti eu digo adeus que se faz tarde.
A ti eu digo adeus.
A ti eu digo adeus.

15.
Há gentes que têm mapas na memória,
Eu tenho gentes.
Há quem conheça estradas e lugares,
Eu conheço gentes.

Há quem percorra o mundo acompanhado.

Eu vou sozinho.

16.
Saltam-me aos lábios línguas estranhas
E não entendo já os meus versos;
Nem entendo como se faz
Da própria língua uma estranha.

Será esta emigrante
Que até sabe dizer ao filho
Como quem berra a um cão:
-Sit down!
Quem me arrepanha as beiças
E me põem lá vontades de:
-Fuck off! ?...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Perdido de Raiva



Primeira pedrada

1.
Depois direi mal de ti.
O tempo lá fora não se incomodará;
O vento dirá lenga-lengas
que os lobos lhe ensinaram;
E o sol não derreterá gelos.
O frio, porém, sim.

O frio derreterá as palavras
Num copo de vodka
E num cigarro imaginário
-Desde que deixei de fumar
ando muito mais viciado-
E continuarei a dizer mal de ti.

Depois tu dirás
mal de mim.
Abrutalharás o indicador.
O tempo impávido fará corridas
Com gotas de chuva nas vidraças;
O sol esconder-se-á por trás das cadeiras
E os olhares presentes no café
Poisarão temerosos em ti.

O calor esquentar-te-á o café
E acenderás até nele o teu cigarro
-Um verdadeiro, pois para ti
tudo é muito mais real-
E deixarás de dizer mal de mim.

Eu continuarei a dizer mal de ti,
Pois não compreendo porquê,
Porque é que chamar-te amor
Há-de ser o busílis da discórdia.

2.
Vou pela estrada afora.
Vou pela rua abaixo.
Entro pela casa adentro.

Ninguém está.
Como se o mundo dissera
Adeus.

3.
Ponho-te a língua de fora.
-A minha-
E fico a pensar:
Quem inventou tal careta?
“Pôr-te a língua de fora!”
-A minha-

Alguém que não sabia usar a violência
Ou desconhecia a gramática.

Fico-me por esta
E ponho-te a língua de fora,
Pois com isso até sorris.

4.
Olha,
Posso levar-te a ver o mundo
Pois sou ceguinho?

Ai esta mão que me deste
É brisa que vem dos trópicos;
Morna, suave, balouçante como o mar,
E sinto-lhe areias macias.
Deixa-me ficar na sua concha
E põe o mundo de lado,
Pois quem possui tal ternura
É dono do Universo.

5.
E assim se encontraram
Três aleijados da alma:
A mais que B,
B mais que C
E C mais que A.
Vá lá a matemática explicar isto.

Ora,
Quando a língua não o faz.

6.
Ó coisita, dás-me um beijito?
Ai, não?
Pois quando de mim os quiseres
Nem ponta de pelo hirsuto
Que a máquina de barbear
Por sobre o lábio deixou
Eu te darei.

E já não gosto mais de ti.
Olha, vês?, viro-te as costas!

E esse teu sorriso diz-me
Que não te importas.
Não sei se por eu virar as costas
Se por não gostar mais de ti
Ou se por não te querer dar
picadelas com a barba.

Olho-te então de soslaio
À espera que mo digas...

E tu vens...
picar-te nos lábios.


7.
Estou perdido de raiva.
Os solavancos do autocarro
Arrastam-me a escrita para hieróglifos.

Um safanão dum lado,
Um safanão do outro.

O “A” que se espalha pela linha fora,
Um “M” que escorre folha abaixo,
Um “O” de Ó diabo que sai da boca
E a travagem brusca impede que caia no papel,
E um “R” de rais ma partam
Perdido de raiva.

8.
Se da primeira vez
Tudo pareceu de vento em popa:
O frenesim interior,
O tremor exterior
E o sorriso das cantilenas;
Hoje tudo me parece avesso.

Não dormi.
Com tanto por fazer nada fiz.
Até esqueci a máquina de lavar roupa
Que goteja tal clepsidra carrasca.

E quando horas de erguer
E a preguiça me fincou sobre o lençol
Eu notei que me atrasava.
E a torneira gotejava cruel.
Quando me levantei no embalo do atraso
Escorreguei na cozinha,
Dei de ventas com o frigorífico;
Insultei-o muito imoral
E maldisse a minha vida.

Sem ter barcaça por perto
Nem botas de cano alto,
Chapinhei corrente acima
Até às fontaínhas da desgraça;
Vedo o ping-ping traidor,
Afogo o rio com a esfregona
E vejo o tempo a fugir-me.

Fujo eu dele, pois então?,
Atiro pra trás das costas
Tudo o que me está agreste,
Desço a rua, apanho o “bus”.

Se o destino quiser
Andar comigo hoje aos tombos
Dou-lhe uma tal canelada
Que o manco pra toda a vida.

Se o vires passar de muletas,
Já sabes donde ele vem.

9.
Hoje estou com muito mais medo de ti.
Hoje sabes de mim e eu nem o queria.
Gostaria de ser a interrogação eterna
Que o filósofo põe na retina,
O desconhecido que fascina
E impele para a aventura.

Hoje tenho muito mais medo de ti
Porque estou já descarnado
E até o sanar das feridas mais dói.

Mas quero ver-te, cego, eu sei.

10.
A temperatura é amena,
Tranquila a paisagem
E o casario apressado acena “adeuses”.
O altifalante urra:
-A próxima paragem...
E o coração pára,
Embate nas paredes como que
A querer furá-las.
Trago remoinhos no peito.

Mais um arranque, mais uma paragem.
Uma ave voa rasante.
Anuncia chuva dizem.
Quem me dera anunciar tambem...
Servir para alguma coisa.

Uma galinha olha-me trocista.
Donde raio me conhecerá ela
Para de mim fazer tal troça?
O comboio não deixa que lho pergunte.

Arranque

Paragem-arranque.

As árvores nem folhas largam
E nem há brisa que as ajude.
Tudo tão tranquilo
Como pictoresca paisagem
Numa mudez de assombros.

Paisagens assim tão mudas
Ensurdecem-me os ouvidos.
Sim, o silêncio põe-me surdo.
Ouves-me? Cá o dizia.

Quando não há quem fale
Nada ouvimos,
Ensurdecemos aos poucos

E quando nos vem quem fale...

11.
Há tempos que não escrevia
Assim, tão à tiracolo,
Assim como quem nem escreve.

Estou a voltar ao que era dantes
Sem nunca de lá ter saído.

Por isso aguardo ansioso o mês de Março
E o meu casal de cabritos.

Depois vou ser criança e brincar,
Lá fundo, no valeiro, longe dos homens
E dos telemóveis que capam conversas.

Na altura estarão as salamandras
já crescidas,
Os nabos por certo já apanhados
E as favas de vagem prenhe.

E sei que, então, aprenderei
Poemas mais lindos.

11.a.
Daqueles que lacrimejam
Alegrias por tão belos.

Mas não me esquecerei de ti.

Junto ao poço
Uma roseira velhinha
Que floresce com o mesmo rubro de outrora.

O que será que faz
As roseiras florirem até ao fim?
Os homens florescem uma vez e basta.
Depois murcham
Até aos seculares anais da História.

Eu não quero murchar
Quero ser roseira até ao fim.
Assim, como aquela à beira-poço.
Parece ter nascido ali
Para nunca murchar
E se tal se vier a dar,
Dar um passo ao lado.

12.
Jura não revelares meu segredo.
Jura que em ti guardas
As penas que aqui confesso,
As dores em que me vejo
E o nome de quem me fere.

Jura que a ninguem contarás
Os fados que aqui canto,
Os poemas que aqui escrevo
E os suspiros que por cá dou.

Jura!, Pedra muda!

13.
Vóim!
Uma onomatopeia que me trespassa a memória
Sem que eu tenha memória dela.
Vóim!
Teima ela.

Eu dou voltas aos caixotes,
Aos livros e cadernos,
Até à revista antiga
Que um descuido guardou.
Vóim!
Sinceramente,
Consegues explicar isto?

E ela vai-se,
Elástica, saltitando,
Porta afora
Sem sequer dizer adeus.
Vóim, vóim, vóim.

Fica-me nas mãos um caderno
E um poema dele escorre.
Bem mais sem sentido.

14.
Da janela do comboio
Li mesmo agora: Gorlitz.

Como raio veio parar
Tal estação a Oiã?

Alguém que brinca aos grafismos
Ou foi uma alucinação?

Caramba, quero ir para Aveiro
E não fugir de ti!

15.
As sombras descem pelo outeiro
No cantar que águas invernais entoam.
O chilreio duma ave migratória
Espanta silêncios.

Eu e ela;
Ela perdida, esquecida da rota,
Eu achado, perdido de rumos.

O sol, brusco, cai para além.
A ave pia, lancinante,
Dolorida...
Ah, se eu fosse caçador
Para lhe acabar com a dor...

Não penso:
Ah, se eu pudesse nidificar
Para lhe oferecer guarida...

Sou noite
No valado onde as salamandras “ovoviparem”
E as aves migratórias perdem o tino;

Lá no cume
Ouvem-se cervejas e “melros”
-Os melros no Tovim são copos de tinto-
E gostaria de saber subir colinas,
Chegar ao povoado e beber melros
Mas fico. Insaciável.
A beber chilreios de ave
Perdida.

16.
Hoje passeei um cão
O que poderá não ser mais que isso:
Passear um cão.
Mas hoje
eu
passeei um cão.

E ele urinou nos cantos,
Nas bermas e nas relvas,
Onde quis.
O que tambem não é mais do que isso:
Urinar.

Mas hoje
eu
passeei um cão
Que urinou.

Ontem,
Ou mais dia menos dia,
Conversei com alguem,
O que poderá apenas ser isso:
Conversar com alguem.

Mas o cão chama-se Gorki,
Desse alguem não lembro o nome.

17.
O corpo esculpido de Vénus,
Não vem espojar-se comigo.
Os meus lençois são virgens
E os cobertores se de amores sabem,
É de outras noites que não as minhas,
-Pois são velhinhos-
Quem sabe, testemunhas de mim mesmo.

E adormeço familiarizado.

18.
Se eu desse um biqueiro no sol,
Achas que choveria?
E se desse dois tabefes na chuva,
Achas que faria sol?

-E se tu estivesses quieto?,
Não seria melhor?!!!

Decerto que sim,
Mas continuaria sem respostas.

19.
Vamos pensar
-Como o senhor Keuner-
Que não pensamos;

Vamos supor
Que o que pensamos
É o que vivemos
De momento.

Nunca mais teríamos pensamentos
Porque pensaríamos sempre o primeiro
E viveríamos apenas esse.

Acho que estou a pensar
Contrário ao senhor Keuner.

20.
As palavras coníferas do meu vocabulário
Têm folhagem caduca.
Por isso os meus poemas não prestam.

Não é porque eu seja um mau poeta!

Mau poeta é aquele que tem pinheiros sintéticos.
Dos quais a faúlha também cai
E sobre a qual ele nunca escreveu um verso.

Eu sou um bom poeta!
-Gaba-te cesto!-
Os meus poemas é que não prestam.

Ninguem faz boas omeletes com ovos podres.

21.
A Rosa é boa poetisa
Porque tem bons versos
Que moldam bons poemas.

Eu tenho versos
E tenho poemas
E sou poeta.

Agora vejo
Que já só me falta o adjectivo..

22.
Cheguei a Coimbra com a penúria de sempre,
Os bolsos rotos e moedas algures a tilintar;
E vou-me embora
Sem traçado nem bifana,
Como quem entra em igreja
E se não benze.

Não que me importe a pobreza,
Fui nela nado e criado;
Chateiam-me sim os dizeres
Sobre o que eu poderia ser.

Eu sou!, ó gentes!
Caramba, rais ma partam se não sou!

Esclareço e tal o meu verso,
Dou fim ao pobre poema,
Vou pró Tovim; adormeço.

-Amanhã o mesmo tema...-

22.a.

Levanto os olhos primeiro,
Que o corpo agrilhoado
Nas correntes da preguiça
Manda a vontade ao diabo.
E lá fora está tão frio.

Vejo a nódoa que a caliça
Na queda com a humidade
Vai picasseando em mural
E penso que rico dia!,
Mesmo fresquinho: a pintar.
Mas não pinto.
Nem me mexo!

Ali ao lado em cadeira
-Que um dia pus ao jeito-
Um portátil escancarado
Que a noite, tardias horas,
Não vislumbrou apagar.
E que tal um “fâquebuk”?
Um “Farmville” é porreiro...

Que o seja ou não o seja
-não é!-
É hora de levantar
Os olhos, e nada mais.

Estão as couves já à espera
E os nabos a grelar;
Nem sei bem se as aves
Por mim esperam.

Sei do seu grande alarido quando chego.
Vou ora supô-lo regozijo,
Alegria de me verem.
E pronto! Vêem?!

Para quê pensar na penúria?