quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Desversificado por instante

Escorreitas as veias,
Sem lufada de ar
E olhos vítreos
Me despeço.

Aos trinados que os cães soltam
E aos hinos que gatos entoam
Não dou ouvidos.

A minha vida foi ontem,
Por instantes, aquando
A cabeça no teu regaço.

A minha vida não foi
Antes de o ter sido ontem.

Amanhã, cotovelos poídos,
Joelhos ainda mais
E lábios ressequidos.

Não farei esboço
Nem gesto disso.
Pingam-me as horas
Ao longo dos pulsos
E estremeço de gozo.

São horas de alguma coisa.
De ir votar, talvez;
Ou lavar o automóvel.

Nunca para um suicídio.
Tenho um Rolex suiço,
Daqueles que impedem dessas coisas,
Como o Fiat do Namora,
No meu futuro.

Embora eu saiba,
Disse-mo uma professora,
Que eu não tenho futuro.
Eu posso bem pensar
Que o amanhã não existe.

Eu posso sentir-me cristo quotidiano;
Pregar amores por aí fora
E deixar-me crucificar.

Tudo isso numa boa vontade a deus
E maior aos homens,
Nunca às mulheres!
Vade retro!
E o diabo a sete...

Espreito os seios à noite,
Por sabê-la mulher fácil,
E aconchego-me nas suas ancas
Em retrocesso.
Faço-me Baco e espero o Ro.

Tudo chega. A seu tempo tudo chega
E tudo chaga.
Até o bicho da madeira
Rejeita a minha cruz.
Uma discriminação aleatória,
Disse-me um dia uma profe.
Chamei-lhe pleonasmo
E ela: Mal educado!

Não gosto de mim,
Nem mesmo à chapada.
Venha lá quem vier,
Os dias nunca foram feitos assim.
Não com esta intenção,
De andar a chatear quem os vive.

E sobretudo quem os morre.
Dei contigo. À minha janela.
Amanhã que não terei
Ver-te-ei enforcada num anúncio
Sem nunca te ter conhecido.

São porreiras estas coisas virtuais
Que unem os desarranjados da alma;
Deixamos de nos suicidar sozinhos
Para suicidar até os outros
E termos quem cante:
“I don´t like mondays”.

Roubaram-me o sono de hoje
E eu de mal com os psiquiatras.
Se ao menos fumasse...
Um charrito de ervas medicinais
Só por questões de saúde
Seria melhor que ópio.

E este é danado prá poesia,
Aquela que a médica me proibiu
Por excessiva.

Tenho dores, cólicas...
Aproxima-se uma gastrite
Ou uma megalomania.
O que é certo é que é errada.
Não estou com cabeça para isso
E o recto anda tão curvo...

Ontem passei sem versos,
Àparte este ou aquele que o foi;
Ontem desversifiquei a mona
Mas nem por isso ruiu o mundo
Nem eu me senti melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário