segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Poemas a (ou de) um quadro (do Paulo Pereira)

1.
O azul cerrado intempestivo,
Assim meus dias,
O abismal despertar
Já se faz noite.
Olho-te, quadro bruto,
E enterneço.

2.
De nuvens cercado o acordar.
Violenta na vesícula a manhã desponta.
Erecto o órgão que procria.
Um fogo de vista que esmorece
Quando de si mesmo a chuva cai.

3.
Ando em remoinhos etários, busco idades concebidas e morro,
dia a dia,
frente aos vidros dos espelhos que quebrei.

Tal rio escorrido de águas, assim meu leito.
Os xistos acerados, palavras tuas, nelas me deito...
Assim te amo,
em socalcos nocturnos que o teu olhar em mim cavou.

E foi nos lábios da manhã que te beijei
Ainda não reposto o sono de ontem.
O inverno escorre nas paredes e eu nelas murado.
Trago uma erecção póstuma...
nem um orgasmo me vales.
Um pirete, talvez...

4.
Há fogos fátuos na derme.
Da tela defronte te pressuponho,
Gazela esgazeada,
Galgando as grades que em mim vestes.
Eu, tartaruga, de fraca carapaça
Refugio os versos na pintura.
A ti, selvagem, não os quero dar.

E sinto ganas de pintar também azuis
E muitos fogos.
E sinto ganas... cachopa, sinto ganas.

Os fogos em mim são cinzas.

5.

Não és o centro do meu universo,
uma linha concentrica, talvez, na fronteira da razão.
De passos, nada... só se vieres a salto de coelho.

Tenho sangue nas mãos
De tanto depositar caules já frios
De girassol mirrado.
São quem gosta de ti,
Os teus carrascos.
Plastificam-te num ramo silvestre.
Colho flores de plástico na putrefacção das jarras.
Tenho ainda sangue nas mãos...

Agora embriago-me e como queijo -fresco-
Com sal -bastante- e pimenta -quanto baste-
Dou um beijo à Elsa, a vangloriar-me
e bebo Cergal -nunca a Sagres, que o marketing a mim não verga-
Eu sou o rei dos salgadinhos.

Daí desejar teu corpo banhado na costa,
Daí desejar teu fim do dia.

E mais uma dentada e mais um sorvo.
Embriago-me sim, mas não com álcool.

É o prazer, carago, é o prazer!


Não compreendo as pessoas
Que me querem convencer de que não tenho futuro...

Falta-me o passado, caraças!, passado tambem não tenho!

5a.
E odeio -até nem sou disso-
Os idiotas que tirararam o sal ao pão...
Ao queijo e até às batatas fritas.

Esses paspalhos andam agora
a importar salgadinhos.

A Cergal é holandesa,
A Super Bock é de arroz
E a Sagres não a suporto.

Atirem-me com uma Franziskaner
Ou Paulaner. Astra, Holstein, Tannenzäpfle,
Kölsch, Erdinger, Becks -nem por isso-
Warsteiner -vá que não vá-.

Cerveja seja ela boa -alemã-
Vinho, não se discute!

Ai, Portugal, Portugal.

Um desconsolo, te digo.
Aos doces tiraram este.
Os salgados nem de início...
um dia, verás, nem o vinho será de uvas.


Quero um guizado de favas.
Ponham lá o que quiserem!
Chouriço e seus compinchas,
Daqueles que fazem mal
-Sobretudo aos que os não comem.-
Entremeada ou toucinho,
Entrecosto entra bem.
Até um ovo escalfado.
Uns cubinhos de batata,
Não os nego -se a fava é cara.-
Ponham até, se puderem
E a tiverem,
Malagueta bem bravia.
Dêem-me cabo das gastrites,
Arrebentem com os níveis
Diabético-colesterais.
Mas quero um guizado de favas.


6.
Se alguem nos bate à porta
E nos tráz sem que o saiba
Recordações amigáveis
Faz logo de nós amigos
De tempos que não viveram.

7.
Eis, razão das minhas penas;
Descalabro, dedos febris
Um tremor de mãos senis.
Tu excitas não amenas.
 
Tu revoltas e reviras,
Tu escombras e eriges
Eu herege, tu logo exiges
Que arda eu em altas piras.
 
Eu, pecador me confesso:
-De te chamar ando rouco-
Corro para ti e sou louco
Fujo de ti e enlouqueço.

8.
Ali, na amurada, pedra cinzenta
Como se nela fôra nascida,
Estava ela, flor, Margarida,
Sob sol amigo que acalenta.

Diz, beleza, quem intenta
Cortar-te, fazer-te ferida.
Eu darei por ti a minha vida
Contra quem te apoquenta.

Mas tu, flor, que nem me vês,
Ali ficas e eu cá vou
Olho-te inda de revés.

Penas, ai tu não mas dês,
Pois penado já eu estou
Da minha cabeça aos pés.

8.
Abrem-se prados...
eu vou, borboleta instantânea ,
beber-te o pólen. Fecundar-te, um dia, ao menos.

Tu decepas as asas até mesmo aos casulos...
jamais haverá metamorfose...

E amo-te.
Como se te amar fosse desconchavar
Os dias em vão
Crer... podes crer... eu não sei, não acredito.
Olho só por olhar. Já não vejo. Crê, podes crer.

9.
Dei três sopapos no quadro
E logo me enchi de olheiras.
Trago os lábios sangrando
De tanto murro que dei.

Bato.
Batuco... ouço música,
E rodo o copo,
Torço o corpo.

Clic, clic...
E mordo a ponta.
Raz-raz
Escrevo o soco.

Violento na caneta
As trompas do meu poema.

Por sobre a mesa vais tu,
Apressada no vagar -ou vazar?

Levas-me o azul da tela.
Fica o fogo, ficam fogos
E até o impropério que atiro atrás de ti
Fica aqui. Cai-me à frente.
Ri-se de mim.

Bato.
Batuco... já sem música.
Essa foi atrás de ti,
Velhaca!...

Fico aqui por ali,
à volta desta lareira.
Vê os meus belos poemas.
Como ardem, como aquecem.
Como servem. Como servem...

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