terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Novos trilhos no passado

I.
O tempo escorregava
Lento
Ziguezagueando por entre árvores
Ninguem por perto
Para escutar as aves

Tudo à volta era tranquilo
A corrente ribeirinha
Convidava a dormir
Para se se despojar da alma

Mas eu estava morto
Assim como quem morreu
Sem desejo de renascer

Sem fantasmas
Nem ideias aterradoras

Não
Eu não quero importunar ninguem
Nem mesmo o tempo
Que recusei agarrar

O vento tocou-me as mãos
E despertou-me na face
A morte viva

Sem palavras
Desandei
Sem palavras
Fui para a cidade

II.

Pessoa?! Eu não! Digo eu em solidão.
Caeiro, Campos, Reis, eu sei lá!
É gente que nunca vi por cá
Versos ou prosa, cravo ou rosa
São flores doutro jardim,
Mas nunca canteiros tratados por mim.

Se tenho dor? Quem não?
Trago-a aqui no coração.
Lágrimas pretas tambem já chorei.
De onde vieram, isso não sei.

Fôra eu poeta, ou apenas prosador,
E teria flores no meu jardim
E tratados com amor
Os canteiros... por mim.

III.

Que vieste tu fazer
Dentro do meu labirinto?
Confundir-me os passos?
Dominar-me as noites?,
Tornadas em branco
Mas férteis de sonhos?!...
Vieste invocar nova repetição dos dias?

Abriste-me a veia do desejo,
Da ansiedade,
E escancaraste ainda mais
As portas da solidão.


IV.
Que me importam as linhas
Entrelaçadas da vida?
De momento, asfixio-as
No estreito do gargalo.

Gargalho do teu riso
Face aos meus longos cabelos
E à minha espessa barba.

Sim, tenho pelos
Sem me envergonhar deles.
Sim, também os tenho
No sítio em que te envergonhas.

Se eu fôra Bocage
Desses te falaria
Até arrepiares os poucos
Que te tapam a mioleira.

Está visto que não sou Bocage!
Nem tampouco sou um Sena
-Aquele que estando em cena,
Andou, no fundo, fora dela.-

Vês onde me levam as entrelaçadas linhas da vida?
A pensar no Sena...
A mostrar-te novamente onde erraste
Sem te acusar de nada.

Prefiro o asfixiamento
No estreito do gargalo
E deixar-te rir sobre os meus pelos;
Pois mais de resto,
Pouca razão tens para o fazer.

V.

São-me as ondas agrestes. Fustiga-me o mar o rosto
Em conivência com o vento. E o teu sorriso tão breve,
Tão de virar a cabeça, tolha-me a fala e emudeço.
Fossem meus dedos poetas que percorressem teu corpo,
Sei que não te fariam melhor poema, mas fariam de mim, melhor amante.

VI.

Tu renasceste
Como se a canção fosse verdade:
“Siebenmal wirst du die Asche sein” - sete vezes serás cinza
“Aber einmal auch der helle Schein” - mas uma vez serás também o puro brilho.

Não gosto de te cantar na boca dos outros
Mas à falta de canções minhas
Qualquer melodia doutrem
Poderás ser tu.

Já não necessito de reflectir
A minha imagem
Nos copos vazios de cerveja
Porque te tenho a ti
Espelhando-me a alma.
-Que não tenho!
Se a tivesse tu a serias,
E não sei se será bom
Termos a alma noutrem, fora de nós.

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