Segunda pedrada
1.
Reatirado para a mesa do canto,
Cerveja à frente
E derrame grãfico
Em poemas-que-ninguem-lê.
Mais um dia que amarelecerá nas folhas ambar
-caderno barato que as grandes superfícies
têm em “stock”-.
A tua voz apagou-se
E eu apaguei-me a par com ela.
Unidos
Num silêncio que não chateia,
Que não atira pedradas
Nem arrebata beijos.
Sou “Passageiro em trânsito”
Por momentos de leitura,
-Quem dera eu escrever assim!-
Mas sou sinaleiro sem braços
Numa encruzilhada engarrafada.
Estoiram-me os crâneos na cabeça dos dedos
E vejo bem porque é que eles só escrevem
Repetições banais;
Estão vazios...
Ecoam.
Estão vazios... vazios...
2.
A lata de “Finkbräu”
Refulge em sombras.
Quatro vírgula seis por cento,
É importante saber-se.
Dez latas serão quarenta e seis
Mas eu não tenho lata para isso.
Uma lata de “Finkbräu”
Alonga-se em minutos largos,
Compassada pelos versos hesitantes.
Devo eu falar de amor, amor?
Amor...
Uma bátega na íris,
Um incêndio nas pestanas,
Uma febre na franzida fronte
E depois.
As formas cúbicas do meu ser
Enrodilham-se no revirar dos seixos.
O Mondego galgou areais
E gela-me os pés.
Tolha-me o andar e o pensar.
Liquidifico memórias
E lá vais tu, amor, lá vais tu
Até à Foz.
Sim, Foz...(te).
Já volto às biqueiradas aos poemas,
Torço-lhes o sentido,
que a língua é minha,
Ouviste?!
Ponho acentos onde quero
E consoantes mudas onde aprouver.
Limpo o recto às convenções
E não patuo.
Se páro, páro!
Consoante muda...
-Rio-me de nós, pretensos literatos-
Consoante muda
É consoante-que-não-soa...
Assim fôra eu: mudo!
E de poesia sóbria
Mas trago a letra embriagada
-Mais um golo-
Aos tropeções nas vielas
Com esquinas onde os cães mijam
E onde borrachos vomitam.
Faço a pedra chata saltitar
Sobre as águas irrequietas;
Assim vou eu:
Pedra e águas,
A pedra até ao fundo,
As águas até ao sal.
O sol piscou-me o olho
E as nuvens abriram pernas
Pra me fecundarem o juízo.
O milhafre anda à toa,
Julga-me decerto presa
E eu sou preso...
Livre, solto, só o caderno,
O que acabei de atirar ao rio.
Vê!, Libertei os meus poemas,
Sangram azuis sobre as águas.
-Ou será que choram despedidas?-
Adeus, poemas, adeus...
-Adeus, poeta assassino, adeus...
Acendo a fogueira nas pedras
Onde outros já acenderam.
-Não fôra o frio aqui hoje dormiria-.
As chamas bailam -no bosque?-
E ouço trovas -Trovante?-
Do outro lado do rio... -É o Zeca?...-
Não, é o Sérgio
E o meu “primeiro dia”.
Se eu fosse por este rio acima -Fausto-
Chegaria a Penacova.
-Ouvi dizer é cidade-
Vou antes pelo rio abaixo,
Apressado, atrás dos versos.
-Os meus, verdadeiramente meus-
É tarde... é tarde.
E chove.
3.
Bastou uma lata: estou bêbedo!
Vou pedir outra para reforçar.
Antes embriaguês alcoólica
Do que estar ébrio de ti,
Dos teus versos, tuas penas.
Sacudo os odores que deixaste
E dou paulada às palavras,
Maldita a hora em que falo!
Estou ébrio, sim, estou ébrio!
Amo-te na palma da mão.
Olha, agora que não devemos
Nada um ao outro ou que seja,
Vou confessar-te um segredo:
Houve versos que não disse
Amor, nem to escrevi.
4.
Vou aceitar regras,
Acertar a métrica
E escrever sonetos.
Vai-te embora!
Não os vejas!
Ficam os sonetos por ler...
5.
Arquitectonicamente esclarecidos,
Fotográficos no roteiro do turismo,
Os poemas do poeta.
Elegeram-lhe um penedo,
Um museu, até uma rua
E uma linha no livro de não-sei-quê.
Os livros dele, porém,
Ficaram todos por ler.
6.
Um dia li um livro
-De poemas
Que é daqueles livros
Que se não lêem-.
Tomei-lhe o sabor;
Foi doce.
Soube a barricas de Aveiro
Daquelas com ovos moles.
Um dia li um livro,
Hoje ainda me lembro.
Em tempos escrevi um livro
Do qual não tenho memória.
7.
Acabei de reinventar Elsa.
-Não a que trago oculta
Nas penumbras da memória-.
Elsa mora em Aveiro
Ou perto disso,
Na Gafanha, naquela que é Nazaré.
Dou-lhe um aceno liberto
E uma caminhada na praia.
-Sem cavalos, que esta Elsa
Não está oculta nas memórias-.
Vamos em tropel de risos,
Dunas afora.
Até as estrelas do mar
Dão à costa
Para ouvir as gargalhadas.
E quando o sol se põe,
Restam-nos raios de nós
Fulgentes nos lábios
E damos, sem pedir em troca.
8.
Empurro-me ladeira acima,
Comboio ronceiro que a evolução esqueceu.
Resvalo nos trilhos;
Há que lá meter areias.
Ai, tasco longínquo aqui ao pé
(Ai versos lúdicos que jogam aos “potes”
Sem que a pide o saiba)
Ai de mim, comboio ronceiro
Que a evolução esqueceu.
Estação Café da Maia
Flor do Tovim
Finkbräu.
Ninguém saberá da minha dor;
Sofrerei esta cadeira
E costas curvas até ontem;
Beberei mais uma “jola”,
escreverei mais um poema
E darei resposta a quem me fala.
Empurro-me cadeira abaixo
E calo a esferográfica;
O amigo em frente labuta em tecnologias
Que me são alheias. -Ai pode, diz ele.
A chuva lá fora põe fumadores à porta
Como se fumassem cá dentro
-De mim-;
Tusso.
Escarro cigarros que outros fumam,
Um Pessoa cancerígeno
Que não bebe bicas
Mas Finkbräu.
Que não escreve poemas que se leiam,
Mas poemas que se esquecem,
Que se atiram ao rio
E sangram ou choram.
Deixam dúvidas.
Deixam-me
Duvidoso.
Eu comboio ronceiro
Que ninguém apanha.
9.
Googlei até à tua porta.
Roubei-te o cão e fui passear.
(Vai tu!)
O cão marca território,
Urina nos sítios certos;
O pobre que, prisioneiro,
Nem o pode defender.
Devolvo-te o cão por inteiro
E googlo de volta a casa.
Está descansada:
Por aí não urinei.
10.
Evito o teu nome nos poemas
Para que ninguém saiba quem tu és;
Tens medo de nós perante os outros.
-E perante ti também o vi-.
Não sou eu Quixote -nem Rocinante-
Para te portar amores que tu não queiras;
Nem pretendo desvendar os beijos,
As carícias e os sussurros.
Petrifico tumularmente a minha memória;
A que foi -ou fôra- nossa.
Não lhe escrevo epitáfios que lhe revelem vida.
Ficará mausoléu.
Ficará eu!
Eu, eternamente eu.
O cerne das mil desgraças.
O Zé Estragado da Infantaria Catorze!
Evito o teu nome, não evito o meu.
11.
Escorre inverno nas paredes.
Coagulados os olhos num porquê.
Coze o feijão e do tacho
Um hálito a fim do dia.
É noite, amor, é noite.
E continuo a falar sozinho.
12.
Ontem bateu à porta dos meus googles
Ou doutra comunidade analógica
Uma senhora -penso fingida-;
Foto no perfil, preto no branco,
Cigarro à bon vivant, à la bohémie.
Foto falsa, depreendi.
Os seus dados não os eram,
Pelo menos não os vi.
Mas trocam-se palavras, pois então.
Eu, por norma, já que não devo
Não tenho que recear.
E falo. Falo honestamente.
A senhora, contudo, oculta
Por trás das tecnologias
De si não dava impressão;
De mim, porém, tudo sabia:
Que eu era isto e aquilo,
Que eu era assim e assado;
Chegou mesmo o diagnóstico
Duma perturbação mental.
Bastou à tal senhora
Uma ou duas palavras minhas
Pra logo me engavetar
Entre alfarrábios de Freud.
Sai-lhe um ou outro dito
Que o meu behaviourismo literário
Lhe provoca. E numa hora,
Eis-me ali, nu, perante estranha.
Eu que há anos me procuro
E não me encontro.
13.
Dia outro,
Lata nova.
Liberto dos fâquebuques,
Dos emessénes,
Gugles
E amizades que o não são,
Ato-me à lata da “biâr”.
O espalha-brasas do costume
Ruge dixotes em desuso
E ri-se, pois, de si próprio.
As chávenas tilintam
E a TV irrita.
A cerveja sabe-me a tédio
E as palavras são forçadas.
O café é tranquilo espaço,
Não obstante.
Ouço um marulhar de folhas
Que o Calinas* possui (*jornal Diário de Coimbra)
Como se alguém o lessse.
Tovim dorme.
O Tovim dorme sempre
Embalado na escarpa antiga
Do outrora Vale do Ferro,
Tovim dorme.
Estes vestígios de vida
São sobressaltos noctívagos,
Irrequietos sonos
Em pleno dia.
Pois o Tovim dorme,
O Tovim dorme sempre;
Por isso voltei pra cá:
Para poder dormir com ele.
14.
Ainda te não “conheci”
-Elsa reinventada-
Mas já te saltei à foto,
Arrebatei-te um beijo
E ri de rijo;
Atirei-te ao chão
E fiz-te cócegas.
Depois,
Antes que por isso desses
Estava longe
A mandar-te emails...
Que guardo como poemas.
A ti te ponho hoje junto à Teresa
Que existiu sem o ter feito.
A ti escrevo versos, ó Dinamene;
Não sonetos que os não sei...
A ti te reinvento, sim, ó alma gémea,
E acendo velas que refulgem nos meus pulsos.
A ti eu digo adeus que se faz tarde.
A ti eu digo adeus.
A ti eu digo adeus.
15.
Há gentes que têm mapas na memória,
Eu tenho gentes.
Há quem conheça estradas e lugares,
Eu conheço gentes.
Há quem percorra o mundo acompanhado.
Eu vou sozinho.
16.
Saltam-me aos lábios línguas estranhas
E não entendo já os meus versos;
Nem entendo como se faz
Da própria língua uma estranha.
Será esta emigrante
Que até sabe dizer ao filho
Como quem berra a um cão:
-Sit down!
Quem me arrepanha as beiças
E me põem lá vontades de:
-Fuck off! ?...
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