sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Poemas de tasco e moinhos de vento

A.

D. Quixote perdeu a guerra
Contra os moinhos de vento;
E estes perderam, pedra a pedra,
A sua guerra contra o tempo.

Mas, diz Daniel Abrunheiro,
Criaram-se máquinas maravilhosas,
Superiores a qualquer cavaleiro,
E, entre elas, torres poderosas.

Não de Babel, mas as sim eólicas
Que fazem erguer lanças e panças,
Quer de multis, quer ecológicas,
Cada qual rédea das nossas esp´ranças.

E bem ao lado destes mamutes,
Progressistas dragões de asas largas,
Fazem, sem que alguem o permuta,
Centrais nucleares suas descargas.

Se deixaram explodir Tschernobil
Dizendo não ter sido prejudicial,
Peço, sem pretender ser ignóbil,
Deixem tambem as torres do mal

Rodarem nos rodízios do tempo;
Sempre quero ver daqui a anos
Se esses ruins moinhos de vento
Também causam mortais danos.

B.

Nas obras que já obrei,
(No sentido lato do verbo)
Há uma parte de mim,
Como se cada palavra fosse
Um pingo de sangue
Ou mesmo um elo genético
Que eu perco ou transmito.
Por isso, às vezes, penso
Que não morro,
Apenas me empalavro...

Era bom se assim fosse.

C.

Sou poeta de murais;
Não há espaço de cal
Onde não escreva um verso,
Daqueles invisíveis,
Dos versos das entrelinhas.

E agora dizes tu
Que tal coisa nunca viste.

É preciso ler nas entrelinhas.

D.

Sou um leitor fanático
Do Quino sem palavras;
Ele escreve num traço
Encíclicas e bulas,
Ensaios e constituições...

É perigoso seguir,
Desde o princípio ao fim,
Um risco do Quino.

E.

Homer Simpson é a reencarnação de Cristo:
Isto é bom, é bom.
Isto é mau, é bom.

Eu sei!,
Homer é uma figura fictícia.

F.

Ao fim da Cumeada,
Ali, onde a curva dos carris
-linha 3, Santo António-
Era quase um ângulo recto.
Ali, no princípio da rua
Que levou poetas e outros
Ao penedo da Saudade,
Numa rua que Abril marcou,
Um slogan;
Um apelo ou uma ordem.
No entanto,
Um desafio à moral.
-Ou apenas mera obscenidade.-
"Vota nos colhões do Zorro"

>Lamentavelmente nos boletins de voto
não constava esta possibilidade<

G.
Eu não sei de palavras difíceis,
De filosofias profundas,
Dekantadas ou descartadas.
Não. Eu sei
Falar à ou de boca cheia
E ponho os cotovelos na mesa.
E digo que o Benfica é uma merda
Porque calha;
Podia muito bem ser o Liverpool ou o Real.
Eu não sou poeta de tertúlias,
-Nem sei bem o que isso é-.
Sou apenas mais um
Que aprendeu o "aeiou";
As consoantes são mais difíceis...
Nem sei se as aprendi todas
No silêncio a que fui
Frequentemente obrigado.  


Amor, anda

Amor, anda
Desfolhar as árvores
E aplainar ondas.

Amor, anda
Repenicar espinhos
E soprar estrelas.

Anda, Amor,
Não me deixes envelhecer,
Não me deixes morder o pó que levantas
Quando corro atrás de ti.

Olha, Amor
Se vieres irei contigo,
Como outrora,
Pelos becos de Coimbra.
Tomar-te-ei os lábios
De encontro à Casa da Nau.

Anda, Amor,
Por ti serei realista.
Por ti, atirarei fora a bengala,
Endireitarei os costados,
Aplainarei as rugas,
Quer do corpo quer da alma.

Olha, Amor,
Se vieres irei contigo
Acender luares no Mondego,
Tomar-te da Estrela à Foz.

Anda, Amor,
Reaguçar arames farpados
Que se revolteiem no estômago.

Tira-me deste Penedo da Saudade,
Deste fado que não canto.

Vês ao longe aquela estrela?
Nunca soubemos qual era...
E fomos donos do desconhecido.

Amor, se não vieres hoje
Amanhã não estarei por cá,
Mas sim do outro lado,
Dentro da Quinta das Lágrimas...

"Estavas, linda Inês, posta em sossego..."


Emigrante 

Emigrante sem economia,
Sem sindicato nem contracto;
Sem outra bolsa
Que não um Livro em Branco.

Desço Reeperbahn à noite,
Rua Direita mais longa e mais brilhante.

Algures, no mistério das memórias
Que se mesclam nos néons da realidade
Há-de existir uma Democrática,
Um Museu, uma Diligência;
Enfim, uma Clepsidra.

Emigro de bar em bar,
Busco o meu fado num copo
Cujo fundo espelha a alma.

Tacteio as horas tão sózinhas...

Emigrante.
Hamburgo que me acolheu
Sem me perguntar o nome,
Vinga-se agora de mim
Por nele procurar Coimbra.

Ao reconhecer o meu erro,
Deixo de ser emigrante.
Faço-me lanterna de rua,
Banco de jardim,
Partícula carbónica cuspida
Por um navio no cais
E sou Hamburgo por inteiro.

Atraco então no bar
Que as trevas quase não deixam ver
E dou com um grupo punk
Na clandestinidade do tempo
Arrepiando guitarras e maltratando a bateria;
O vocalista berrando:
"A morte saíu à rua num dia assim..."

"A vida, amigo," pensei, "a vida..."
E voltei a ser emigrante.


Um copo

Os teus lábios, amor,
Que o piri-piri abrasou
Continuam com sal de Aveiro.
Tens odores a moliço.

Eu trago na roupa
O odor do pólen dos milheirais,
O forte cheiro da barba de milho;
Por isso entendo o teu aroma.

Ana Paula, ah, Ana Paula...
Como me sabes à bifana
Suculenta e apetitosa,
Como me sabes a moelas!

Como me sabes a vinho
E a cantigas que as sombras cantam!
Como me sabes a Clepsidra
E me soas a João Queirós.

Como te amo, Ana Paula, como te amo!
E isto apenas após um copo.
Estivera eu ébrio, amor...
Estivera eu ébrio!...

Sou um rio 

Sou um rio
Com salgueiros debruçados sobre mim,
Hastes a fustigarem-me o corpo.

Sou um rio
Com águas mansas e águas bravas.

Sou um rio
Com barragens energéticas.

Sou um rio
Onde a populaça se banha.

Sou um rio,
De margem a margem...

Se terei coragem de o ser
Da nascente até à foz?


Carmencita Dolores


Foi numa páscoa qualquer,
Apesar da juventude,
Eu fui homem e tu mulher.

O tempo que tudo apaga
Não apagou da memória
O Parque Manuel de Braga.

Retornaste à tua urbe
Algures junto a Madrid
E eu fiquei como pude...

Com dezassete, era Agosto,
E já caminhava no parque,
Solitário e triste rosto.

Quem inventou tais Dolores
Que de Espanha me vieram?
Diz o poeta: Os amores...

E então li poesia
E vi teu rosto, claro,
Como o vira no tal dia.

Um poema, um só poema
Chegou pra me dizer
Que a dor valia a pena.

Hoje não sei melhor amar,
Carmencita Dolores,
Mas sei a dor suportar.

E quando volto ao parque
Sinto o amor pelos cantos,
Sinto-o por toda a parte.

Tanto se ama e desama
E nunca se aprende tal arte.


Hei-de...
 
Hei-de ler Cristóvão de Aguiar até ao fim,
Hei-de ser açoreano nos canais do Nemésio
-Que humilde na minha terra viveu-.
Hei-de contar contos do Torga
-Que no Tovim seu amor conheceu.
Hei-de subir olivais no cerco de Mário Braga
Desde a Baixa até ao Casal do Lobo
E hei-de lembrar sempre Aida Ventura
Que em mim plantou este desejo de ler.

Mas hei-de odiar até ao fim
Quem destrói o meu Tovim
Sem lhe entender uma palavra,
Uma viela sequer!...


Lufadas de ar

Tropeço
Por descuido.
Um olhar na esquina que as rugas dobram
E o passo desajeitado de quem abandona o tasco.

-Fui marinheiro!
Sem barco nem ousadia.
As minhas descobertas estão pregadas
Em tábuas de faquir.

Presto atenção.

Quando me abandono
Sinto a sombra que me segue,
Que me persegue,
Que me encurrala.

Deixei de querer saber de mim.
Mas continuo a perguntar-me
Por onde andas tu...

Se ao menos pudesse amar-te de novo...
... e morrer, sem remorsos, de não te ter vivido.


Já que não vieste

Hoje não vieste;
Também não sei se te esperava.
O crepúsculo das águas a refulgirem-me nos olhos;
Sempre este maldito rio a banhar-me a alma.
Um dia afogá-lo-ei nas minhas incertezas,
Apertar-lhe-ei as barragens.
Uma gaivota perdida
Acenou-me da ponte de Santa Clara;
As aves andam como eu,
A fugir dos exílios na sua própria terra.
E tu não vieste.
As horas ferradas na amurada
Foram inútil tropel.
Sempre este maldito rio e esta amurada alta.
Alguem me acenou dum cartaz;
Alguem que quer exilar as aves.
Jamais lhe falarei da gaivota perdida.

Ganhei coragem e saltei.
Juntei-me ao rio e fui com ele.
Já que tu não vieste,
Liberdade,
Irei eu atrás de ti.


São corvos, minha senhora 

Necrófilos,
Insaciáveis,
Inteligentes;
Aprendem até a falar.

Havia-os por cá,
Agora, não sei se os há.

Sentado ao sol de Julho,
À porta do Santa Cruz,
Recordava eu estas aves
Quando uma senhora ao lado
Vendo comitiva aperaltada
A entrar para o Município,
Pergunta com voz de afecto:
Ai, mas que bichos são aqueles?
E eu no meu pensar,
Disse (aliás sem pensar):
-São corvos, minha senhora.



Vou-me deitar

Vou-me deitar ao vento,
À sombra das capas dum livro
E pousar os olhos cansados no regaço do regato.

Recordar
A vertiginosa névoa matinal
Que a noite assombrou
Sobre o corpo mondeguino.

Às vezes tenho destas coisas,
De cordeiro fatigado com as cabriolices do dia,
E bucolizo por instantes o meu ser.

Penso,
(que às vezes também me dá para isso),
Ser o sol uma mentira,
Uma história já velhinha que trago desde criança
No rosto desmazelado.

E rio.
E sinto um raio de luz
A convencer-me que o sol
Não é mentira nenhuma

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Desversificado por instante

Escorreitas as veias,
Sem lufada de ar
E olhos vítreos
Me despeço.

Aos trinados que os cães soltam
E aos hinos que gatos entoam
Não dou ouvidos.

A minha vida foi ontem,
Por instantes, aquando
A cabeça no teu regaço.

A minha vida não foi
Antes de o ter sido ontem.

Amanhã, cotovelos poídos,
Joelhos ainda mais
E lábios ressequidos.

Não farei esboço
Nem gesto disso.
Pingam-me as horas
Ao longo dos pulsos
E estremeço de gozo.

São horas de alguma coisa.
De ir votar, talvez;
Ou lavar o automóvel.

Nunca para um suicídio.
Tenho um Rolex suiço,
Daqueles que impedem dessas coisas,
Como o Fiat do Namora,
No meu futuro.

Embora eu saiba,
Disse-mo uma professora,
Que eu não tenho futuro.
Eu posso bem pensar
Que o amanhã não existe.

Eu posso sentir-me cristo quotidiano;
Pregar amores por aí fora
E deixar-me crucificar.

Tudo isso numa boa vontade a deus
E maior aos homens,
Nunca às mulheres!
Vade retro!
E o diabo a sete...

Espreito os seios à noite,
Por sabê-la mulher fácil,
E aconchego-me nas suas ancas
Em retrocesso.
Faço-me Baco e espero o Ro.

Tudo chega. A seu tempo tudo chega
E tudo chaga.
Até o bicho da madeira
Rejeita a minha cruz.
Uma discriminação aleatória,
Disse-me um dia uma profe.
Chamei-lhe pleonasmo
E ela: Mal educado!

Não gosto de mim,
Nem mesmo à chapada.
Venha lá quem vier,
Os dias nunca foram feitos assim.
Não com esta intenção,
De andar a chatear quem os vive.

E sobretudo quem os morre.
Dei contigo. À minha janela.
Amanhã que não terei
Ver-te-ei enforcada num anúncio
Sem nunca te ter conhecido.

São porreiras estas coisas virtuais
Que unem os desarranjados da alma;
Deixamos de nos suicidar sozinhos
Para suicidar até os outros
E termos quem cante:
“I don´t like mondays”.

Roubaram-me o sono de hoje
E eu de mal com os psiquiatras.
Se ao menos fumasse...
Um charrito de ervas medicinais
Só por questões de saúde
Seria melhor que ópio.

E este é danado prá poesia,
Aquela que a médica me proibiu
Por excessiva.

Tenho dores, cólicas...
Aproxima-se uma gastrite
Ou uma megalomania.
O que é certo é que é errada.
Não estou com cabeça para isso
E o recto anda tão curvo...

Ontem passei sem versos,
Àparte este ou aquele que o foi;
Ontem desversifiquei a mona
Mas nem por isso ruiu o mundo
Nem eu me senti melhor.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

T O V I M Tovim (de Cima)

T O V I M

Tovim (de Cima)

1.
O sol esbate-se pela encosta,
Lambe as paredes dos prédios
E atira sombras pelas ruas.

O vento revolteia-se, frio;
Recusa verões quando o inverno acontece
E rodopia pelos cantos,
Varre de gelo as paredes
Que o sol teima em lamber.

Em mim até o tempo resmunga,
Até o gelo se derrete,
O vento pára e o sol se esconde.

Viro-me às avessas.
Quero antes o tempo lá de fora.

2.
Lembro as valetas de outrora
E os barcos de papel,
De carcódia ou de cana;
Lembro os pés descalços
E as calças com fundilhos;
O caderno escolar
E até os versos primeiros:

Um dia em mim nascerás flor;
Vou-te regar com beijos.

Tu não acreditas
E o tempo murcha-te.

2a.
Lembro a professora e o livro
-o proibido-
Lembro os versos e o medo
Dos vocábulos gigantescos;
Do lasso -não era laço, juro-
Que eu não pude entender.

Lembro o alcatrão abaulado
E as lascas de pedra rosa,
Ou caco de vaso ou telha,
Lembro tudo quanto dava
Para um risco traçar.

E lembro os dias de rio,
Das espigas verdes do milho,
Dos melões, uvas, laranjas,
De tudo o que nós roubámos
Para atenuar o caminho.

Lembro até os açoites bravos
A castigarem-me a infância.

De nada serviram, pai!,
Só me aumentaram os dias
Em que quero ser criança.

3.
A internet abre fissuras
Por onde tu espreitas,
Oculta por trás de fotos
Que não as tuas.

Falas de interesses que não interessam
E gostas até de livros que a boa crítica gosta,
Dos filmes que estão na berra
E vês o “gato fedorento” por uma intenção política.

Eu faço quase tudo isso
-sem foto-,
Falo do que me interessa e do mais desinteressante,
E gosto de livros – se gosto! - que a crítica nunca leu.
E televisão não vejo,
Vejo o drama desta terra,
Deste Tovim que já viu
Muito poema nascer...
E nem consegue ser verso.

Olha mando-te daqui um smiley: :p

4.
Ontem li Espanca
E espreitei os pulsos do Carneiro
Ainda pulsantes, sem lenhos.

Olhei o quadro do Paulo,
Peguei no livro do Cintra
E li qualquer coisa ao acaso.

Anda para aí tanto artista,
Tanto pintor e poeta,
Tanto, tanto, tanto...

Que se um dia der por mim
Numa parede qualquer
É porque lá existe um espelho.

5.
Todos nós temos memórias;
Umas mais esquecidas,
Outras mais lembradas.

Dos carros de rolamentos
E do roubo das tangerinas.

Um verão a atazoar e os pés descalços;
Os calções de calças velhas,
Mais fundilho que calção;
Camisola de curta manga:
Tronco nu não faz abada.

O buraco no silvado
E o arrojo de criança.

Roubo! De fruta.

Crime que a GNR, senhora de outrora,
Não perseguia.
1969
Perseguia na altura
Estudantes e outros que sim
A dizer não.

Até as laranjas do pide não escapavam.

Os cães de então eram vadios,
Eram crianças,
Éramos nós.

Latidos largos, sonoros,
Gargalhadas.

Tovim.

Atirado ali pela encosta
Que Mário Braga “cercou”

Tovim.

Na memória.
A tua semana passada.
A minha infância.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Maldito de quem o leia

Sim, maldito de quem o leia,
este pedaço de asno, este pernil de mim.

ontem morri por acaso, hoje já foi suicídio
amanhã, a merda toda, não haverá funeral!
Fico vivo pra morrer
ou para me suicidar
sempre culpado de mim
sempre com a culpa de outros...
sim, maldito quem fôr ler isto

eu morro hoje... como ontem
Regresso na próxima esquina
e vós que me "conheceis"
direis: então de novo por cá?

eu morri sem darem por isso
e pretendeis vós conhecer-me???

Eu morri há muitos anos.
As palavras que ouvis são ecos
Vós bem sabeis... faz-vos sentir-me vivo
e aliviais a culpa,
mas eu morri faz já décadas!!!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Poemas a (ou de) um quadro (do Paulo Pereira)

1.
O azul cerrado intempestivo,
Assim meus dias,
O abismal despertar
Já se faz noite.
Olho-te, quadro bruto,
E enterneço.

2.
De nuvens cercado o acordar.
Violenta na vesícula a manhã desponta.
Erecto o órgão que procria.
Um fogo de vista que esmorece
Quando de si mesmo a chuva cai.

3.
Ando em remoinhos etários, busco idades concebidas e morro,
dia a dia,
frente aos vidros dos espelhos que quebrei.

Tal rio escorrido de águas, assim meu leito.
Os xistos acerados, palavras tuas, nelas me deito...
Assim te amo,
em socalcos nocturnos que o teu olhar em mim cavou.

E foi nos lábios da manhã que te beijei
Ainda não reposto o sono de ontem.
O inverno escorre nas paredes e eu nelas murado.
Trago uma erecção póstuma...
nem um orgasmo me vales.
Um pirete, talvez...

4.
Há fogos fátuos na derme.
Da tela defronte te pressuponho,
Gazela esgazeada,
Galgando as grades que em mim vestes.
Eu, tartaruga, de fraca carapaça
Refugio os versos na pintura.
A ti, selvagem, não os quero dar.

E sinto ganas de pintar também azuis
E muitos fogos.
E sinto ganas... cachopa, sinto ganas.

Os fogos em mim são cinzas.

5.

Não és o centro do meu universo,
uma linha concentrica, talvez, na fronteira da razão.
De passos, nada... só se vieres a salto de coelho.

Tenho sangue nas mãos
De tanto depositar caules já frios
De girassol mirrado.
São quem gosta de ti,
Os teus carrascos.
Plastificam-te num ramo silvestre.
Colho flores de plástico na putrefacção das jarras.
Tenho ainda sangue nas mãos...

Agora embriago-me e como queijo -fresco-
Com sal -bastante- e pimenta -quanto baste-
Dou um beijo à Elsa, a vangloriar-me
e bebo Cergal -nunca a Sagres, que o marketing a mim não verga-
Eu sou o rei dos salgadinhos.

Daí desejar teu corpo banhado na costa,
Daí desejar teu fim do dia.

E mais uma dentada e mais um sorvo.
Embriago-me sim, mas não com álcool.

É o prazer, carago, é o prazer!


Não compreendo as pessoas
Que me querem convencer de que não tenho futuro...

Falta-me o passado, caraças!, passado tambem não tenho!

5a.
E odeio -até nem sou disso-
Os idiotas que tirararam o sal ao pão...
Ao queijo e até às batatas fritas.

Esses paspalhos andam agora
a importar salgadinhos.

A Cergal é holandesa,
A Super Bock é de arroz
E a Sagres não a suporto.

Atirem-me com uma Franziskaner
Ou Paulaner. Astra, Holstein, Tannenzäpfle,
Kölsch, Erdinger, Becks -nem por isso-
Warsteiner -vá que não vá-.

Cerveja seja ela boa -alemã-
Vinho, não se discute!

Ai, Portugal, Portugal.

Um desconsolo, te digo.
Aos doces tiraram este.
Os salgados nem de início...
um dia, verás, nem o vinho será de uvas.


Quero um guizado de favas.
Ponham lá o que quiserem!
Chouriço e seus compinchas,
Daqueles que fazem mal
-Sobretudo aos que os não comem.-
Entremeada ou toucinho,
Entrecosto entra bem.
Até um ovo escalfado.
Uns cubinhos de batata,
Não os nego -se a fava é cara.-
Ponham até, se puderem
E a tiverem,
Malagueta bem bravia.
Dêem-me cabo das gastrites,
Arrebentem com os níveis
Diabético-colesterais.
Mas quero um guizado de favas.


6.
Se alguem nos bate à porta
E nos tráz sem que o saiba
Recordações amigáveis
Faz logo de nós amigos
De tempos que não viveram.

7.
Eis, razão das minhas penas;
Descalabro, dedos febris
Um tremor de mãos senis.
Tu excitas não amenas.
 
Tu revoltas e reviras,
Tu escombras e eriges
Eu herege, tu logo exiges
Que arda eu em altas piras.
 
Eu, pecador me confesso:
-De te chamar ando rouco-
Corro para ti e sou louco
Fujo de ti e enlouqueço.

8.
Ali, na amurada, pedra cinzenta
Como se nela fôra nascida,
Estava ela, flor, Margarida,
Sob sol amigo que acalenta.

Diz, beleza, quem intenta
Cortar-te, fazer-te ferida.
Eu darei por ti a minha vida
Contra quem te apoquenta.

Mas tu, flor, que nem me vês,
Ali ficas e eu cá vou
Olho-te inda de revés.

Penas, ai tu não mas dês,
Pois penado já eu estou
Da minha cabeça aos pés.

8.
Abrem-se prados...
eu vou, borboleta instantânea ,
beber-te o pólen. Fecundar-te, um dia, ao menos.

Tu decepas as asas até mesmo aos casulos...
jamais haverá metamorfose...

E amo-te.
Como se te amar fosse desconchavar
Os dias em vão
Crer... podes crer... eu não sei, não acredito.
Olho só por olhar. Já não vejo. Crê, podes crer.

9.
Dei três sopapos no quadro
E logo me enchi de olheiras.
Trago os lábios sangrando
De tanto murro que dei.

Bato.
Batuco... ouço música,
E rodo o copo,
Torço o corpo.

Clic, clic...
E mordo a ponta.
Raz-raz
Escrevo o soco.

Violento na caneta
As trompas do meu poema.

Por sobre a mesa vais tu,
Apressada no vagar -ou vazar?

Levas-me o azul da tela.
Fica o fogo, ficam fogos
E até o impropério que atiro atrás de ti
Fica aqui. Cai-me à frente.
Ri-se de mim.

Bato.
Batuco... já sem música.
Essa foi atrás de ti,
Velhaca!...

Fico aqui por ali,
à volta desta lareira.
Vê os meus belos poemas.
Como ardem, como aquecem.
Como servem. Como servem...

Perdido de Raiva Terceira e última pedrada

Terceira pedrada
(Já sem força)

1.
Deponho as armas.

Erejo estátuas ao herói de ultra-mim.
Perdi a guerra e o corpo porque lutei,
Mas tu és livre, independente.
Não te faças ex-colónia!

2.
Deixo-te rastos visíveis,
Socalcos que te dirijam,
Veredas delimitadas.
Não há que errar caminho.

Bifurca-se a estrada, bem sei,
Mas segue como tu queiras
Que a minha estadia é um pêndulo.
Entre as vias que tomares
Algures te encontrarei.

Só tens que seguir em frente.

3.
Após muito escrever
Respiro fundo,
Tombo a cabeça no ombro
-o meu-
E deixo-me adormecer.
Estou limpo.
Incólume.
Renasço
Esquecido de outonos
E assiamesado com os dias.

Sou sol se assim fôr
Ou chuva se assim idem.
Abandono os poemas.

[Sei bem
Que em rasgos violentos
De incapacidade timoneira
O leme foge das mãos
E uns versos acontecem
Em toalhetes de papel,
Guardanapo ou coisa tal.

Mas são vãos.]

4.
Uma pausa,
Um suspírio de desalívio
-Tenho os dedos prenhes-
E vou para a conversa.

Ainda bem
Está aqui o Paulo
-Pereira-
E tem Migueis
-d´Angelos-
E outros cromos
-de cromáticos-
Sobre quem falar.

Assim acontecem pinturas;
Pigmentos pululam no diálogo,
Diluentes e colas
-ou outro nome que nem lhes sei
ou não me lembro-.
O que quer que seja.
Tudo! Tudo
Menos o Álvaro de Campos
Ou José Régio.
Tudo menos o Sá Carneiro.

Mas não se pode...

Alma
de negrumes
de-negrida
de-negreiros.
Castigos láticos.
Agora páro:
-Láticos? Que raio é isso?!...
Látegos, sim devem ser látegos.
Ando esquecido,
Ando longe de mim e da minha língua;
Ando perdido...
de raiva...

E quero falar de Rembrandt,
Do Noiret (que é Thomé)
E até daquele pintor
Que nome tem e não o tem.

Falo das cores,
Falo das formas,
-falo de ti-
E sobre as mesclas que escorrem
Cromáticas
Sobre os versos
Com que me espancas.
Perdão, espantas!

Um brandy e uma lata.
E o Paulo
Que sabe mais do que eu
E assim o mostra,
Fala-me de misturas que se diluem,
De tintas que se apaixonam
E desvanecem.
E de telas
-quem dera tê-las-
E flores.

Agora esquivo;
Finta de corpo
Que há anos o basquete me cravou
E passo a bola.

Flores não
Que têm espinhos!

Paulo não sabe disso.
Por certo colhe flores
Em prados e não nas urbes.

Enfim, o dia esbate-se nas telas,
As luzes acendem-se nas janelas,
Os poemas cerram portas
E uma amêndoa amarga fecha o dia.

Adeus, pessoal.
Quadro findo.

5.
Tenho que encerrar este livro.
Decepar os olhos que te viram,
Incendiar os troncos derrubados
E soprar cinzas ao vento.

Definir definitivamente o tom,
A cor, o traço e a geometria;
Cravar pináculos no tecto
E abarrocar o estilo.

Tenho que terminar
As capelas imperfeitas.

Cercam-me cordas manuelinas,
Flamejantes telhados
Os que me cobrem;
Abóbadas ecoam os meus passos
Neste convento que não convence.

De joelhos imploro:
-Um carinho, por quem sois!

Na fileira de estátuas
Que criam as memórias,
Todas elas muito puras,
Mármore alvo, alvíssimo,
Mas gélidas, frias de amor,
Nem um afago, sequer um gesto!

Tenho que encerrar este livro!

6.
Caramba,
Vou aos tombos pelas rimas abaixo
Embalado por uma super bock
Na espera que telefones...

Não consigo encerrar o livro!

Há poemas do Filipe (o Daniel)
Que quero cantar contigo.
(Ensinas-me?)

A chuva tolheu-me os passos.
Um novo convite à super confunde-me.
-Telefonaras tu ao menos-
Vou beber. Vou ficar
À espera que a chuva passe.
Fico.

Estou a sentir-me ébrio
E bebo para o sentir
Porque sei que tu não gostas.
Faço-me-te mal. Porquê?
Se ao menos telefonasses...

Dou a dentada no tremoço,
Sorvo-lhe o sal e sei teu corpo:
Húmido, macio, apetitoso...

Não.
Definitivamente
Com uma super e um pires de tais tremoços
Não encerrarei o livro!


7.
Amo-te.

E agora o descalabro.
O porquê que não tem porque.

Amo-te.

E choro.

Puta que pariu tal amor!


8.
Se o álcool me matasse
Decerto estaria eu morto.
Agora. Agora! Não ontem
Nem amanhã. Agora!

O álcool não assassina
Apenas estupidifica.

-Por isso falas de amor?
Porque estupidificaste?

E bebo um longo, looooooongo trago.
(Mas não trago nada,
só es...)

9.
Como raio consegues tu
Vir falar nos meus poemas?

Cala-te! Cala-te de vez!
Ou sê de vez o meu poema.


10.
Estou triste,
Dás-me um beijito?

Não dás, não dás, não dás.

Eu imploro com raiva
E tu chamas-me agressivo.

Porra, dá-me um beijito!

10 a.
Dá-me um beijito azul
Do tipo lápis doutrora.

Obriga-me a calar, ternura;
Asfixia-me o paleio;
Estrangula-me os dedos!

Tolhe-me o corpo, tolhe!
Tolhe!, se não eu fujo.

11.
Tomba a gota no caderno.
É lágrima de cera.
Pousa nela o verso quente
E lacro (ou lacrimo)
De vez o livro.

(Encerrado a seis – dia dos reis)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Apelo ao voto

(por entre as pedradas da raiva)

Apêlo/Apélo ao voto
-Que se lixem os Acôrdos/Acórdos
Acordo-os?... Espero bem!

Estou nas virilhas do sol
A revirar pedras
E a convencer ao voto.

Eu, que não vou ganhar
Mais
Que a sensação de ter jogado na lotaria
E não ter acertado.

Sim, estou no entre-pernas
-com ar revoluça
de intelectualóide político.-
A debitar sondagens.

Que se lixem os gastos da 2ª.
-volta!
A bem da democracia
Antes um copo a caminho das urnas
Que bebedeira dominical
A ver quem sai da igreja.

Apelo ao voto, sim!
Votem em mim
que não estou lá.
Votem em ti
que lá não estás!
Votem nos testículos do Zorro
Se caso fôr,
Mas votem!

Apologizo Zé Mário:
-”Antes em mim...
do que em quem-não-sei-que-há-de-vir!
Cabrões devindouros!!!”

Humifico a linguagem,
Planto cravos,
E digo adeus, depois dele.
E canto Grândolas de canções,
Canto Praças delas!
Tenho armas, vou à luta!

É pena seguir tal caminho
Por imposição,
Por dever!
É meu!, de direito!
E não o é porque é dever...

Alegre,
Mural antigo de Adrianos,
Conforto doce de quem não teve,
Longe da pátria, “facebooks”.
Voto em ti.
Não para te ver ganhar
Mas pra ver perder o outro.

Nobre,
Bem te sei, bem te elegia.
-Elegeria, será?-
Ando tão longe de verbos,
Conjugações e que tais...
Diz, Nobre, e tu que queres?...
Fato de pulha à medida
Ou preferes desfilar nu?
Queria ver-te, Nobre,
Queria ver-te... à frente
Não atrás.

Lopes, Lopes, Lopes...
Olhó texto! Olhó discurso!
O proletariado há muito que o não é
Essa tua/vossa posição de “o”
Cansou-me o dedo votante,
Ergueu o indicador.
Acuso-te/vos de lassos
Com laços que não enleiam.
Está(i)s velho(s)
-Barbudos de cãs inúmeras
retratais bem o Marx-
Para além disso nada mais.

Apélo (acentuo) ao voto, sim senhor.
Vamos lá como quem vai
-ao matadouro pra morrer
não pra matar-
E se sobrevivermos à ida
Não morreremos na “VOLTA”!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Perdido de Raiva

Segunda pedrada

1.
Reatirado para a mesa do canto,
Cerveja à frente
E derrame grãfico
Em poemas-que-ninguem-lê.
Mais um dia que amarelecerá nas folhas ambar
-caderno barato que as grandes superfícies
têm em “stock”-.

A tua voz apagou-se
E eu apaguei-me a par com ela.
Unidos
Num silêncio que não chateia,
Que não atira pedradas
Nem arrebata beijos.

Sou “Passageiro em trânsito”
Por momentos de leitura,
-Quem dera eu escrever assim!-
Mas sou sinaleiro sem braços
Numa encruzilhada engarrafada.

Estoiram-me os crâneos na cabeça dos dedos
E vejo bem porque é que eles só escrevem
Repetições banais;
Estão vazios...
Ecoam.
Estão vazios... vazios...

2.
A lata de “Finkbräu”
Refulge em sombras.
Quatro vírgula seis por cento,
É importante saber-se.
Dez latas serão quarenta e seis
Mas eu não tenho lata para isso.

Uma lata de “Finkbräu”
Alonga-se em minutos largos,
Compassada pelos versos hesitantes.
Devo eu falar de amor, amor?

Amor...
Uma bátega na íris,
Um incêndio nas pestanas,
Uma febre na franzida fronte
E depois.

As formas cúbicas do meu ser
Enrodilham-se no revirar dos seixos.
O Mondego galgou areais
E gela-me os pés.
Tolha-me o andar e o pensar.
Liquidifico memórias
E lá vais tu, amor, lá vais tu
Até à Foz.
Sim, Foz...(te).

Já volto às biqueiradas aos poemas,
Torço-lhes o sentido,
que a língua é minha,
Ouviste?!
Ponho acentos onde quero
E consoantes mudas onde aprouver.
Limpo o recto às convenções
E não patuo.
Se páro, páro!

Consoante muda...
-Rio-me de nós, pretensos literatos-
Consoante muda
É consoante-que-não-soa...
Assim fôra eu: mudo!
E de poesia sóbria
Mas trago a letra embriagada
-Mais um golo-
Aos tropeções nas vielas
Com esquinas onde os cães mijam
E onde borrachos vomitam.

Faço a pedra chata saltitar
Sobre as águas irrequietas;
Assim vou eu:
Pedra e águas,
A pedra até ao fundo,
As águas até ao sal.

O sol piscou-me o olho
E as nuvens abriram pernas
Pra me fecundarem o juízo.

O milhafre anda à toa,
Julga-me decerto presa
E eu sou preso...
Livre, solto, só o caderno,
O que acabei de atirar ao rio.
Vê!, Libertei os meus poemas,
Sangram azuis sobre as águas.
-Ou será que choram despedidas?-
Adeus, poemas, adeus...
-Adeus, poeta assassino, adeus...

Acendo a fogueira nas pedras
Onde outros já acenderam.
-Não fôra o frio aqui hoje dormiria-.
As chamas bailam -no bosque?-
E ouço trovas -Trovante?-
Do outro lado do rio... -É o Zeca?...-
Não, é o Sérgio
E o meu “primeiro dia”.
Se eu fosse por este rio acima -Fausto-
Chegaria a Penacova.
-Ouvi dizer é cidade-
Vou antes pelo rio abaixo,
Apressado, atrás dos versos.
-Os meus, verdadeiramente meus-
É tarde... é tarde.
E chove.

3.
Bastou uma lata: estou bêbedo!
Vou pedir outra para reforçar.
Antes embriaguês alcoólica
Do que estar ébrio de ti,
Dos teus versos, tuas penas.

Sacudo os odores que deixaste
E dou paulada às palavras,
Maldita a hora em que falo!
Estou ébrio, sim, estou ébrio!
Amo-te na palma da mão.

Olha, agora que não devemos
Nada um ao outro ou que seja,
Vou confessar-te um segredo:
Houve versos que não disse
Amor, nem to escrevi.

4.
Vou aceitar regras,
Acertar a métrica
E escrever sonetos.

Vai-te embora!
Não os vejas!

Ficam os sonetos por ler...

5.
Arquitectonicamente esclarecidos,
Fotográficos no roteiro do turismo,
Os poemas do poeta.
Elegeram-lhe um penedo,
Um museu, até uma rua
E uma linha no livro de não-sei-quê.

Os livros dele, porém,
Ficaram todos por ler.


6.
Um dia li um livro
-De poemas
Que é daqueles livros
Que se não lêem-.
Tomei-lhe o sabor;
Foi doce.
Soube a barricas de Aveiro
Daquelas com ovos moles.

Um dia li um livro,
Hoje ainda me lembro.

Em tempos escrevi um livro
Do qual não tenho memória.

7.
Acabei de reinventar Elsa.
-Não a que trago oculta
Nas penumbras da memória-.
Elsa mora em Aveiro
Ou perto disso,
Na Gafanha, naquela que é Nazaré.

Dou-lhe um aceno liberto
E uma caminhada na praia.
-Sem cavalos, que esta Elsa
Não está oculta nas memórias-.

Vamos em tropel de risos,
Dunas afora.

Até as estrelas do mar
Dão à costa
Para ouvir as gargalhadas.

E quando o sol se põe,
Restam-nos raios de nós
Fulgentes nos lábios
E damos, sem pedir em troca.

8.
Empurro-me ladeira acima,
Comboio ronceiro que a evolução esqueceu.
Resvalo nos trilhos;
Há que lá meter areias.
Ai, tasco longínquo aqui ao pé
(Ai versos lúdicos que jogam aos “potes”
Sem que a pide o saiba)

Ai de mim, comboio ronceiro
Que a evolução esqueceu.

Estação Café da Maia
Flor do Tovim
Finkbräu.

Ninguém saberá da minha dor;
Sofrerei esta cadeira
E costas curvas até ontem;
Beberei mais uma “jola”,
escreverei mais um poema
E darei resposta a quem me fala.

Empurro-me cadeira abaixo
E calo a esferográfica;
O amigo em frente labuta em tecnologias
Que me são alheias. -Ai pode, diz ele.
A chuva lá fora põe fumadores à porta
Como se fumassem cá dentro
-De mim-;
Tusso.
Escarro cigarros que outros fumam,
Um Pessoa cancerígeno
Que não bebe bicas
Mas Finkbräu.
Que não escreve poemas que se leiam,
Mas poemas que se esquecem,
Que se atiram ao rio
E sangram ou choram.
Deixam dúvidas.
Deixam-me
Duvidoso.

Eu comboio ronceiro
Que ninguém apanha.

9.
Googlei até à tua porta.
Roubei-te o cão e fui passear.
(Vai tu!)

O cão marca território,
Urina nos sítios certos;
O pobre que, prisioneiro,
Nem o pode defender.

Devolvo-te o cão por inteiro
E googlo de volta a casa.

Está descansada:
Por aí não urinei.

10.
Evito o teu nome nos poemas
Para que ninguém saiba quem tu és;
Tens medo de nós perante os outros.
-E perante ti também o vi-.

Não sou eu Quixote -nem Rocinante-
Para te portar amores que tu não queiras;
Nem pretendo desvendar os beijos,
As carícias e os sussurros.

Petrifico tumularmente a minha memória;
A que foi -ou fôra- nossa.
Não lhe escrevo epitáfios que lhe revelem vida.
Ficará mausoléu.
Ficará eu!
Eu, eternamente eu.
O cerne das mil desgraças.
O Zé Estragado da Infantaria Catorze!

Evito o teu nome, não evito o meu.

11.
Escorre inverno nas paredes.
Coagulados os olhos num porquê.
Coze o feijão e do tacho
Um hálito a fim do dia.

É noite, amor, é noite.

E continuo a falar sozinho.


12.
Ontem bateu à porta dos meus googles
Ou doutra comunidade analógica
Uma senhora -penso fingida-;
Foto no perfil, preto no branco,
Cigarro à bon vivant, à la bohémie.
Foto falsa, depreendi.

Os seus dados não os eram,
Pelo menos não os vi.
Mas trocam-se palavras, pois então.

Eu, por norma, já que não devo
Não tenho que recear.
E falo. Falo honestamente.
A senhora, contudo, oculta
Por trás das tecnologias
De si não dava impressão;
De mim, porém, tudo sabia:
Que eu era isto e aquilo,
Que eu era assim e assado;
Chegou mesmo o diagnóstico
Duma perturbação mental.
Bastou à tal senhora
Uma ou duas palavras minhas
Pra logo me engavetar
Entre alfarrábios de Freud.
Sai-lhe um ou outro dito
Que o meu behaviourismo literário
Lhe provoca. E numa hora,
Eis-me ali, nu, perante estranha.

Eu que há anos me procuro
E não me encontro.

13.
Dia outro,
Lata nova.

Liberto dos fâquebuques,
Dos emessénes,
Gugles
E amizades que o não são,
Ato-me à lata da “biâr”.

O espalha-brasas do costume
Ruge dixotes em desuso
E ri-se, pois, de si próprio.

As chávenas tilintam
E a TV irrita.
A cerveja sabe-me a tédio
E as palavras são forçadas.

O café é tranquilo espaço,
Não obstante.

Ouço um marulhar de folhas
Que o Calinas* possui (*jornal Diário de Coimbra)
Como se alguém o lessse.

Tovim dorme.
O Tovim dorme sempre
Embalado na escarpa antiga
Do outrora Vale do Ferro,
Tovim dorme.

Estes vestígios de vida
São sobressaltos noctívagos,
Irrequietos sonos
Em pleno dia.

Pois o Tovim dorme,
O Tovim dorme sempre;
Por isso voltei pra cá:
Para poder dormir com ele.

14.
Ainda te não “conheci”
-Elsa reinventada-
Mas já te saltei à foto,
Arrebatei-te um beijo
E ri de rijo;
Atirei-te ao chão
E fiz-te cócegas.

Depois,
Antes que por isso desses
Estava longe
A mandar-te emails...
Que guardo como poemas.

A ti te ponho hoje junto à Teresa
Que existiu sem o ter feito.
A ti escrevo versos, ó Dinamene;
Não sonetos que os não sei...
A ti te reinvento, sim, ó alma gémea,
E acendo velas que refulgem nos meus pulsos.
A ti eu digo adeus que se faz tarde.
A ti eu digo adeus.
A ti eu digo adeus.

15.
Há gentes que têm mapas na memória,
Eu tenho gentes.
Há quem conheça estradas e lugares,
Eu conheço gentes.

Há quem percorra o mundo acompanhado.

Eu vou sozinho.

16.
Saltam-me aos lábios línguas estranhas
E não entendo já os meus versos;
Nem entendo como se faz
Da própria língua uma estranha.

Será esta emigrante
Que até sabe dizer ao filho
Como quem berra a um cão:
-Sit down!
Quem me arrepanha as beiças
E me põem lá vontades de:
-Fuck off! ?...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Perdido de Raiva



Primeira pedrada

1.
Depois direi mal de ti.
O tempo lá fora não se incomodará;
O vento dirá lenga-lengas
que os lobos lhe ensinaram;
E o sol não derreterá gelos.
O frio, porém, sim.

O frio derreterá as palavras
Num copo de vodka
E num cigarro imaginário
-Desde que deixei de fumar
ando muito mais viciado-
E continuarei a dizer mal de ti.

Depois tu dirás
mal de mim.
Abrutalharás o indicador.
O tempo impávido fará corridas
Com gotas de chuva nas vidraças;
O sol esconder-se-á por trás das cadeiras
E os olhares presentes no café
Poisarão temerosos em ti.

O calor esquentar-te-á o café
E acenderás até nele o teu cigarro
-Um verdadeiro, pois para ti
tudo é muito mais real-
E deixarás de dizer mal de mim.

Eu continuarei a dizer mal de ti,
Pois não compreendo porquê,
Porque é que chamar-te amor
Há-de ser o busílis da discórdia.

2.
Vou pela estrada afora.
Vou pela rua abaixo.
Entro pela casa adentro.

Ninguém está.
Como se o mundo dissera
Adeus.

3.
Ponho-te a língua de fora.
-A minha-
E fico a pensar:
Quem inventou tal careta?
“Pôr-te a língua de fora!”
-A minha-

Alguém que não sabia usar a violência
Ou desconhecia a gramática.

Fico-me por esta
E ponho-te a língua de fora,
Pois com isso até sorris.

4.
Olha,
Posso levar-te a ver o mundo
Pois sou ceguinho?

Ai esta mão que me deste
É brisa que vem dos trópicos;
Morna, suave, balouçante como o mar,
E sinto-lhe areias macias.
Deixa-me ficar na sua concha
E põe o mundo de lado,
Pois quem possui tal ternura
É dono do Universo.

5.
E assim se encontraram
Três aleijados da alma:
A mais que B,
B mais que C
E C mais que A.
Vá lá a matemática explicar isto.

Ora,
Quando a língua não o faz.

6.
Ó coisita, dás-me um beijito?
Ai, não?
Pois quando de mim os quiseres
Nem ponta de pelo hirsuto
Que a máquina de barbear
Por sobre o lábio deixou
Eu te darei.

E já não gosto mais de ti.
Olha, vês?, viro-te as costas!

E esse teu sorriso diz-me
Que não te importas.
Não sei se por eu virar as costas
Se por não gostar mais de ti
Ou se por não te querer dar
picadelas com a barba.

Olho-te então de soslaio
À espera que mo digas...

E tu vens...
picar-te nos lábios.


7.
Estou perdido de raiva.
Os solavancos do autocarro
Arrastam-me a escrita para hieróglifos.

Um safanão dum lado,
Um safanão do outro.

O “A” que se espalha pela linha fora,
Um “M” que escorre folha abaixo,
Um “O” de Ó diabo que sai da boca
E a travagem brusca impede que caia no papel,
E um “R” de rais ma partam
Perdido de raiva.

8.
Se da primeira vez
Tudo pareceu de vento em popa:
O frenesim interior,
O tremor exterior
E o sorriso das cantilenas;
Hoje tudo me parece avesso.

Não dormi.
Com tanto por fazer nada fiz.
Até esqueci a máquina de lavar roupa
Que goteja tal clepsidra carrasca.

E quando horas de erguer
E a preguiça me fincou sobre o lençol
Eu notei que me atrasava.
E a torneira gotejava cruel.
Quando me levantei no embalo do atraso
Escorreguei na cozinha,
Dei de ventas com o frigorífico;
Insultei-o muito imoral
E maldisse a minha vida.

Sem ter barcaça por perto
Nem botas de cano alto,
Chapinhei corrente acima
Até às fontaínhas da desgraça;
Vedo o ping-ping traidor,
Afogo o rio com a esfregona
E vejo o tempo a fugir-me.

Fujo eu dele, pois então?,
Atiro pra trás das costas
Tudo o que me está agreste,
Desço a rua, apanho o “bus”.

Se o destino quiser
Andar comigo hoje aos tombos
Dou-lhe uma tal canelada
Que o manco pra toda a vida.

Se o vires passar de muletas,
Já sabes donde ele vem.

9.
Hoje estou com muito mais medo de ti.
Hoje sabes de mim e eu nem o queria.
Gostaria de ser a interrogação eterna
Que o filósofo põe na retina,
O desconhecido que fascina
E impele para a aventura.

Hoje tenho muito mais medo de ti
Porque estou já descarnado
E até o sanar das feridas mais dói.

Mas quero ver-te, cego, eu sei.

10.
A temperatura é amena,
Tranquila a paisagem
E o casario apressado acena “adeuses”.
O altifalante urra:
-A próxima paragem...
E o coração pára,
Embate nas paredes como que
A querer furá-las.
Trago remoinhos no peito.

Mais um arranque, mais uma paragem.
Uma ave voa rasante.
Anuncia chuva dizem.
Quem me dera anunciar tambem...
Servir para alguma coisa.

Uma galinha olha-me trocista.
Donde raio me conhecerá ela
Para de mim fazer tal troça?
O comboio não deixa que lho pergunte.

Arranque

Paragem-arranque.

As árvores nem folhas largam
E nem há brisa que as ajude.
Tudo tão tranquilo
Como pictoresca paisagem
Numa mudez de assombros.

Paisagens assim tão mudas
Ensurdecem-me os ouvidos.
Sim, o silêncio põe-me surdo.
Ouves-me? Cá o dizia.

Quando não há quem fale
Nada ouvimos,
Ensurdecemos aos poucos

E quando nos vem quem fale...

11.
Há tempos que não escrevia
Assim, tão à tiracolo,
Assim como quem nem escreve.

Estou a voltar ao que era dantes
Sem nunca de lá ter saído.

Por isso aguardo ansioso o mês de Março
E o meu casal de cabritos.

Depois vou ser criança e brincar,
Lá fundo, no valeiro, longe dos homens
E dos telemóveis que capam conversas.

Na altura estarão as salamandras
já crescidas,
Os nabos por certo já apanhados
E as favas de vagem prenhe.

E sei que, então, aprenderei
Poemas mais lindos.

11.a.
Daqueles que lacrimejam
Alegrias por tão belos.

Mas não me esquecerei de ti.

Junto ao poço
Uma roseira velhinha
Que floresce com o mesmo rubro de outrora.

O que será que faz
As roseiras florirem até ao fim?
Os homens florescem uma vez e basta.
Depois murcham
Até aos seculares anais da História.

Eu não quero murchar
Quero ser roseira até ao fim.
Assim, como aquela à beira-poço.
Parece ter nascido ali
Para nunca murchar
E se tal se vier a dar,
Dar um passo ao lado.

12.
Jura não revelares meu segredo.
Jura que em ti guardas
As penas que aqui confesso,
As dores em que me vejo
E o nome de quem me fere.

Jura que a ninguem contarás
Os fados que aqui canto,
Os poemas que aqui escrevo
E os suspiros que por cá dou.

Jura!, Pedra muda!

13.
Vóim!
Uma onomatopeia que me trespassa a memória
Sem que eu tenha memória dela.
Vóim!
Teima ela.

Eu dou voltas aos caixotes,
Aos livros e cadernos,
Até à revista antiga
Que um descuido guardou.
Vóim!
Sinceramente,
Consegues explicar isto?

E ela vai-se,
Elástica, saltitando,
Porta afora
Sem sequer dizer adeus.
Vóim, vóim, vóim.

Fica-me nas mãos um caderno
E um poema dele escorre.
Bem mais sem sentido.

14.
Da janela do comboio
Li mesmo agora: Gorlitz.

Como raio veio parar
Tal estação a Oiã?

Alguém que brinca aos grafismos
Ou foi uma alucinação?

Caramba, quero ir para Aveiro
E não fugir de ti!

15.
As sombras descem pelo outeiro
No cantar que águas invernais entoam.
O chilreio duma ave migratória
Espanta silêncios.

Eu e ela;
Ela perdida, esquecida da rota,
Eu achado, perdido de rumos.

O sol, brusco, cai para além.
A ave pia, lancinante,
Dolorida...
Ah, se eu fosse caçador
Para lhe acabar com a dor...

Não penso:
Ah, se eu pudesse nidificar
Para lhe oferecer guarida...

Sou noite
No valado onde as salamandras “ovoviparem”
E as aves migratórias perdem o tino;

Lá no cume
Ouvem-se cervejas e “melros”
-Os melros no Tovim são copos de tinto-
E gostaria de saber subir colinas,
Chegar ao povoado e beber melros
Mas fico. Insaciável.
A beber chilreios de ave
Perdida.

16.
Hoje passeei um cão
O que poderá não ser mais que isso:
Passear um cão.
Mas hoje
eu
passeei um cão.

E ele urinou nos cantos,
Nas bermas e nas relvas,
Onde quis.
O que tambem não é mais do que isso:
Urinar.

Mas hoje
eu
passeei um cão
Que urinou.

Ontem,
Ou mais dia menos dia,
Conversei com alguem,
O que poderá apenas ser isso:
Conversar com alguem.

Mas o cão chama-se Gorki,
Desse alguem não lembro o nome.

17.
O corpo esculpido de Vénus,
Não vem espojar-se comigo.
Os meus lençois são virgens
E os cobertores se de amores sabem,
É de outras noites que não as minhas,
-Pois são velhinhos-
Quem sabe, testemunhas de mim mesmo.

E adormeço familiarizado.

18.
Se eu desse um biqueiro no sol,
Achas que choveria?
E se desse dois tabefes na chuva,
Achas que faria sol?

-E se tu estivesses quieto?,
Não seria melhor?!!!

Decerto que sim,
Mas continuaria sem respostas.

19.
Vamos pensar
-Como o senhor Keuner-
Que não pensamos;

Vamos supor
Que o que pensamos
É o que vivemos
De momento.

Nunca mais teríamos pensamentos
Porque pensaríamos sempre o primeiro
E viveríamos apenas esse.

Acho que estou a pensar
Contrário ao senhor Keuner.

20.
As palavras coníferas do meu vocabulário
Têm folhagem caduca.
Por isso os meus poemas não prestam.

Não é porque eu seja um mau poeta!

Mau poeta é aquele que tem pinheiros sintéticos.
Dos quais a faúlha também cai
E sobre a qual ele nunca escreveu um verso.

Eu sou um bom poeta!
-Gaba-te cesto!-
Os meus poemas é que não prestam.

Ninguem faz boas omeletes com ovos podres.

21.
A Rosa é boa poetisa
Porque tem bons versos
Que moldam bons poemas.

Eu tenho versos
E tenho poemas
E sou poeta.

Agora vejo
Que já só me falta o adjectivo..

22.
Cheguei a Coimbra com a penúria de sempre,
Os bolsos rotos e moedas algures a tilintar;
E vou-me embora
Sem traçado nem bifana,
Como quem entra em igreja
E se não benze.

Não que me importe a pobreza,
Fui nela nado e criado;
Chateiam-me sim os dizeres
Sobre o que eu poderia ser.

Eu sou!, ó gentes!
Caramba, rais ma partam se não sou!

Esclareço e tal o meu verso,
Dou fim ao pobre poema,
Vou pró Tovim; adormeço.

-Amanhã o mesmo tema...-

22.a.

Levanto os olhos primeiro,
Que o corpo agrilhoado
Nas correntes da preguiça
Manda a vontade ao diabo.
E lá fora está tão frio.

Vejo a nódoa que a caliça
Na queda com a humidade
Vai picasseando em mural
E penso que rico dia!,
Mesmo fresquinho: a pintar.
Mas não pinto.
Nem me mexo!

Ali ao lado em cadeira
-Que um dia pus ao jeito-
Um portátil escancarado
Que a noite, tardias horas,
Não vislumbrou apagar.
E que tal um “fâquebuk”?
Um “Farmville” é porreiro...

Que o seja ou não o seja
-não é!-
É hora de levantar
Os olhos, e nada mais.

Estão as couves já à espera
E os nabos a grelar;
Nem sei bem se as aves
Por mim esperam.

Sei do seu grande alarido quando chego.
Vou ora supô-lo regozijo,
Alegria de me verem.
E pronto! Vêem?!

Para quê pensar na penúria?

Novos trilhos no passado

I.
O tempo escorregava
Lento
Ziguezagueando por entre árvores
Ninguem por perto
Para escutar as aves

Tudo à volta era tranquilo
A corrente ribeirinha
Convidava a dormir
Para se se despojar da alma

Mas eu estava morto
Assim como quem morreu
Sem desejo de renascer

Sem fantasmas
Nem ideias aterradoras

Não
Eu não quero importunar ninguem
Nem mesmo o tempo
Que recusei agarrar

O vento tocou-me as mãos
E despertou-me na face
A morte viva

Sem palavras
Desandei
Sem palavras
Fui para a cidade

II.

Pessoa?! Eu não! Digo eu em solidão.
Caeiro, Campos, Reis, eu sei lá!
É gente que nunca vi por cá
Versos ou prosa, cravo ou rosa
São flores doutro jardim,
Mas nunca canteiros tratados por mim.

Se tenho dor? Quem não?
Trago-a aqui no coração.
Lágrimas pretas tambem já chorei.
De onde vieram, isso não sei.

Fôra eu poeta, ou apenas prosador,
E teria flores no meu jardim
E tratados com amor
Os canteiros... por mim.

III.

Que vieste tu fazer
Dentro do meu labirinto?
Confundir-me os passos?
Dominar-me as noites?,
Tornadas em branco
Mas férteis de sonhos?!...
Vieste invocar nova repetição dos dias?

Abriste-me a veia do desejo,
Da ansiedade,
E escancaraste ainda mais
As portas da solidão.


IV.
Que me importam as linhas
Entrelaçadas da vida?
De momento, asfixio-as
No estreito do gargalo.

Gargalho do teu riso
Face aos meus longos cabelos
E à minha espessa barba.

Sim, tenho pelos
Sem me envergonhar deles.
Sim, também os tenho
No sítio em que te envergonhas.

Se eu fôra Bocage
Desses te falaria
Até arrepiares os poucos
Que te tapam a mioleira.

Está visto que não sou Bocage!
Nem tampouco sou um Sena
-Aquele que estando em cena,
Andou, no fundo, fora dela.-

Vês onde me levam as entrelaçadas linhas da vida?
A pensar no Sena...
A mostrar-te novamente onde erraste
Sem te acusar de nada.

Prefiro o asfixiamento
No estreito do gargalo
E deixar-te rir sobre os meus pelos;
Pois mais de resto,
Pouca razão tens para o fazer.

V.

São-me as ondas agrestes. Fustiga-me o mar o rosto
Em conivência com o vento. E o teu sorriso tão breve,
Tão de virar a cabeça, tolha-me a fala e emudeço.
Fossem meus dedos poetas que percorressem teu corpo,
Sei que não te fariam melhor poema, mas fariam de mim, melhor amante.

VI.

Tu renasceste
Como se a canção fosse verdade:
“Siebenmal wirst du die Asche sein” - sete vezes serás cinza
“Aber einmal auch der helle Schein” - mas uma vez serás também o puro brilho.

Não gosto de te cantar na boca dos outros
Mas à falta de canções minhas
Qualquer melodia doutrem
Poderás ser tu.

Já não necessito de reflectir
A minha imagem
Nos copos vazios de cerveja
Porque te tenho a ti
Espelhando-me a alma.
-Que não tenho!
Se a tivesse tu a serias,
E não sei se será bom
Termos a alma noutrem, fora de nós.

Linha

A minha vida foi uma linha
No livro rasgado que ninguem leu;
Um pedaço de ódio e estricnina
Sob o enlameado do céu.

Com esta ou aquela vereda
De amores loucos sem razão;
Com esta ou aquela viela
De corpos, copos, paixão.

Noites... Noites são a minha,
No livro rasgado que ninguem leu,
A mais pequena linha...
E só o sol que não nasceu

Sabe do quanto eu quis
Não odiar ninguem
Ser feliz...
Apenas; sem
Ter que escrever
Repetidamente solidão...
E sentir
Que para lá da minha mão
A tua
Existia;
(Existua
A tia)
O labirinto com saída
E não
O beco sem razão.

Dias... que despertam
As linhas do livro não lido...
Linhas que apertam...
E eu vencido
Sem sequer ter servido
Nem para bom nem mau poeta.


A lápis fino delineada,
Longe, mais longe, inda mais além,
Ei-la, doce, como se alguém
A traçara, intencionada.

Ela divide o tudo ou nada,
O que se possui e não se tem,
É minha, tua, mesmo doutrem
E por nenhum de nós cativada.

Esforça-se por tal o pintor
Embelezando-a até com cor;
Para o poeta também fonte,

É moldura para o amor...
Só para mim, esse estupor
É apenas linha de horizonte.

Que dê rosas

As horas martelam-me olheiras
E as fontes latejam impunes.

Prometi amanhãs e atraso-me no hoje.

As pálpebras estremecem oráculos
De insónias inevitáveis.

Esboroa-se a caliça dos meus dias
Na velocidade da noite.

É quase hora de ti e eu sem saber de mim.




Se existir uma onomatopeia
Que me defina
Que se cale.

E os monótonos ruídos noctívagos
Que me espelham
Soltam fulgentes tons.

Bem os ouço,
Sempre aos pares
Como se eu fosse dois:

Eu e a sombra.

Ou a sombra e eu...

Ou eu apenas
Sombra.



Esta semente que me germina
Nas unhas negras da terra esgravatar
É de erva bravia,
Pois no meu corpo decomposto
No frio de um inverno alheio
Os vermes nada transformam.
É só veneno que em mim nasce
E tu a beberes do meu orvalho...

Por isso recuso chorar.


Dou um piparote na esquina,
Volto à rua.
Um riso de criança e um berro adulto.
As passadas apressadas dum cão vadio
E o olhar desconfiado dum gato.
Tudo é mansidão na pressa das horas.
As sombras que o pináculo projecta
Rasgam o sol de Inverno,
Como se até a isso a igreja se opusesse.

Não fumo o cigarro do velhote
Nem bebo o copo do outro,
Dolentes à porta do tasco.

Vejo-te subir a estrada.
Só isso importa.

Só isso importa...


Agora que o teu leito tem cova
Ali, mesmo a teu lado,
Já me posso ir embora.

Esse espaço não tem dono,
Não consta do registo predial.
Podes alugá-lo ou deixá-lo
Em pousio; ou cultivá-lo.
Estrume deixei eu bastante...
Espero que chegue pra dar rosas.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Gafanha Uma mão cheia de trigo E uma Rosa espinhela (na verdade um ataque a uma professora de português)!

1.
Quero furar-te o corpo
E beijar-te a alma;
Saciar os dedos e os lábios;
Ver cair o orvalho morno
E relaxar. Perdido
Por encontrar nos versos do teu poema
O “Guê” de gaivota
Que Vénus tem
E Apolo, longe das teorias actuais,
Indiferente, desconhece.

Desabrochei, Rosa.
Rosa tu e espinho eu;
Um rolo de arame farpado
Que cerca o tempo.
Isso, beija-me as farpas até à ferrugem;
Corrói este ouriço
Que o tempo empederniu,
Mas não te espantes se te amar de fugida
Como quem fuma um cigarro.

2.
Acordo com cabelos de vento
No vendaval dos lençóis.
Que amor foi este, assim tão bruto?
-Bruto?! Que malvadez a tua!
-Perdão, abrupto.

3.
E lá fora anda o mar
-Não fôra isto Gafanha-
E um búzio, algures,
-Daqueles que guardam cantilenas das ondas-
Espera mão de criança que o apanhe.
Não estivesse eu ainda no teu leito seria eu;
E aprenderia então todas as canções do mar
Para embalar teu sono perturbado.

4.
Agora as portas escancaradas
E o raio do sol a fazer entrar só sombras.
Está na altura de descer
A viela sombria até ao patamar do sono.

Depois de ti... não serei a mesma
porque volto ao que era.”

Foge de ti
Para poderes
Ir ter contigo.

5.
Arranca-me as vísceras,
Fura-me os olhos,
Incendeia os campos de trigo
E chama os bombeiros,
Uns que não saibam apagar fogos
Para que ardam as espigas.

Trago os olhos vomitados,
Desabridos na verborreia
E no travo do vinho tinto
Após a sardinha assada
Sem ter saltado à cachopa!
Maldita noite de Santo António!,
Malditos os fantasmas que pesam!
Maldita pátria de poetas
E de quem os não sabe dizer
Para os maldizer.

Foda-se! Arranca-me a língua!,
Este furúnculo corcovado
Que nem Lisboas anuncia;
Este órgão que não toca
E que se o fizesse
Seria por certo uma balada de Tom Waits
Após o décimo whisky,
Um maço de cigarros por harmonia
E o filho da puta do álcool a baixar a escala

Pronto. Estou calmo.
Tenho nas entranhas
-Na puta das vísceras que recusas arrancar-
Uma tranquilidade tranquila.
Tão tranquila como a palidez das janelas
Onde a geada traçou caminhos.

Vês?! Estou calmo.
Bucólico. Tenho o olhar aboiado e manso;
Até os cornos -que o cabrão do destino perdeu
E que a minha sorte fez cair -exactamente- na minha testa-
Arredondei para te não ferir.

Era capaz dum gin tónico
E ler deles um conto
Como xamane que lê nas résteas dum chá;
Ver futuros,
Acabadinhos de atropelar
Com um poema do Carneiro!
-Só para permanecer na linha dos cornos
Pois nem gosto do Sá.-

Vês?! E recomeço a perder a calma.
É essa tua proximidade e o caralho...
-Na verdade, esse também se intromete-
Que me chateia.
Vai-te embora, porra!
Sabes bem que sou indecente
Ao ponto de te querer expulsar da tua própria casa!

Ah, e roubei-te a cerveja
-Não aquela do Namora-
Foi a tua.
Mas não, não penses
Que foi pra te chatear;
Foi por ter pena dela.
Tadinha da cerveja, tão ao frio
A estas horas tardias em casa de quem não bebe.

Não, não é para te chatear,
Eu nem te chateio mais!
Agora tenho-me de volta,
Agora posso achincalhar-me,
Vergar-me à certeza de ser incerto,
Ao marulhar das ondas
Que são campinas de água
Sem o saberem,
Porque a merda dos compêndios
Não ensinam os poetas a falarem com o que os inspira.
Fingem-no, é certo!
Os vigaristas!
É por isso! Sempre por isso
Que nunca serei poeta,
Pois ando a falar às ondas.
Não a pregar aos peixinhos;
Isso é pasta de outro ministro.
Eu falo às ondas.
Elas são seiva do meu tronco,
Motor do meu baloiçar,
Embalo do meu sono rígido.
-Cala-te, caralho!, Não estou a falar de ti!

Agoram ficam suspensas as hastes
Da madrepérola chinesa
Numa espécie de dadaísmo
E eu a abanar folhetos de intelectualóide.
-Coitado de mim que nem sequer
Um teorema de Pitágoras
Em livro XXL tenho.-
Mordo as hastes, por raiva,
Mas o sabor das achas
Revela-me cerejeiras
E lendas de neve
Que um árabe práqui trouxe.
Porque há-de a minha terra
Ser antro de forasteiros?
(Porque eu sou-o).

6.
Vou para casa, juro!
Não pararei no tasco da esquina
Nem no outro mais ao lado;
Já vou embriagado de ti
E dos onirismos
Que afinal são diabólicos seres.
Merda.
Tenho a sensação de ter dado cabo dos sonhos.
Dar-lhes-ei uma dentada se os caçar cá por perto;
Como se acreditasse que algo
Ou alguém -de livre vontade-
De mim se aproximaria.
Bom, fá-lo o teu cão.
Mas, coitado, se calhar num lapso de epilepsia.

7.
E este estúpido ressequimento...
Não, não é ressentimento.
É esta lixa na boca
E o esgoto na garganta.
Este couro mal curtido
E o cheiro aos curtumes
Que enevoa as vistas.
Sim, porra, aquelas que servem para isso mesmo!
Ou conheces outras?! Eu não!!!
Eu que conheço tanta coisa...
Como aquele livro de histórias
Que um dia meu pai queimou
E que bailou arcos-íris
Como a querer mostrar-se colorido,
O pobre...
Via-se bem que fôra meu;
Uma carreirada de letras pretas
Numas maltratadas folhas brancas
-Cheias de orelhas de burro-
A armar-se em multicolor
Como se fosse um do Walt Disney.
Ardeu ali,
Na fogueira da Inquisição
Sem ser inquirido nem arguido,
Mas como se fôra... melhor...
Mais, muito mais que um livro meu.

Eu também estou a arder,
O frio é que encobre esse ardor.
-Pudera, estão zero graus lá fora.-
Mas resisto.

Não quero saber.
Vou deitar-me a teu lado
E vou colher
Nem que seja uma lágrima
-Das minhas-
Como quem te não colhe a ti
E ficar a dormir perpétuo,
Sem onirismos,
Junto a ti.

Se um dia, então,
Me vires fantasma,
Enxota-me e chama o cão.

8.
Não custa nada.
É uma sapatada entre as orelhas
Com um dos chinelos felpudos
Sobre os quais tu te arrastas
Na tua comiseração.
Pimba. Em cheio na nuca
Que de cérebros e cerebelos
Apenas ouviu falar,
Moradores, népia!
Nem uma celulazinha cinzenta;
Talvez um piolho
Que a tua mão de catadora exímia deixou passar.
Ah, não! Que digo eu?...
Tu não deixas passar nada!
Finges abrir uma aresta,
Deixas que lá metam os dedos
E tumba!
Ai tumba, tumba!
Lá vai a mão pró catano
Agarrada a um antebraço
Que leva por sua vez o inútil tum-tum cardíaco
Agarrado a si.
Catrapuz!
A cambalhota oblíqua
É queda abissal.
-Reparas?! Tomei tento na lição.
Mas entre queda abismal e abissal
Não há diferença,
É sempre a merda dum tombo.

Mas tu não, tu não cais.
Contam-se dificilmente os tombos que deste
Porque tens a couraça férrea
De quem sabe o que quer,
Tens os planos lúcidos
Da fortaleza fortuita
Onde habita a alegria eterna.
Para mim, estou farto,
Farto das minhas eternidades de momento;
Sou um gajo para além disso,
Para além dos momentos;
A minha vida é um turbilhão deles,
Uma flatulência até lá baixo,
À baixeza vil de quem consome os dias
No caixote cerebral,
Sempre crente: tudo isto é positivo!
Até a sapatada entre orelhas.

Dá-me um enxotão
Mas não me digas:
Ou publicas ou deixas de escrever.
Ah, não,
Não me venhas com ideias
Entre espadas e paredes.
Eu sou o vendaval
Que tudo destrói,
Até as fortalezas fortuitas
Dos fortes
Acovardados à vida.

Ó pá, dá um nó
E desata a vida!
Embrulha-te, narcisa
E desponta, Rosa.
E se queres saber
De ti levo pontas de alecrim
E atirá-las-ei à rua
Num dia de páscoa,
Até a ler o soneto do Pascoaes
(Lembras-te, o da Nossa Senhora dos Milagres?)
E direi ao padre que as pise
Com todo o pecado santificado
Para me redimir
Da minha verdade,
Essa que se mantém mentira.

Falar contigo
É esperar pela estocada,
Não mortífera
Que tu não és dessas,
Tu és a rapácea
Que me devora as vísceras prometeicas;
Dia a dia,
Lentamente.

Porque tu tens tempo, não é verdade?
Tu, ajoelhada perante a epiderme crustácea
Rejeitando deuses
E orando literaturas,
Orações todas muito relativas
Para que possas andar
No avança-recua.
Mas eu lixei-te, sabias,
Eu entrei-te pelo santuário adentro
E cuspi-te nas velas,
Apaguei-te por instantes a luz
Com que assustas os fantasmas
E revirei-te a gramática;
Tu ficaste cheia de medo;
Tremias que nem o Piruças,
Aquelas quatro patas às quais deste o nome de Putschi;
Raio de nome para um cão raquítico: Putschi...
Deixei de estranhar
Ao saber que ao outro chamaste Gorky.
Mas nem isso, menina,
Te manteve União;
Tu és uma Rússia desmembrada,
Dilacerada por Estalines ,
Abandonada por Trotzkis
E desmembrada pelos países
Que se querem ver livre de ti.
O teu medo, desuniu.
Soviético só o teu passado,
As tuas andanças em tempos que foste tu.
Majestosa nos fazeres
E plebeica nos agires.

Aqui, interrompes-me;
-Há hoje sovietiquices nipónicas
De consumo
Que unem desuniões-
Mandas-me um SMS (sua majestade saloia)
A criticar o beijo que não demos.

Nem isso, Rosa, nem isso
Tu guardaste de mim:
Aquele beijo fugido.
E sei
Amanhã dirás também
Que nem do cachorro me despedi.
Mas eu sei que disse adeus ao Gorki
E me despedi do Piruças,
Pois Putschi é um insulto
A qualquer valor político.

Sim, dei-te um beijo fugido,
Um beijo daqueles que se deitam fora.

E como foste rápida:
Inda nem Aveiro deixei
E já te despiste de mim.
-Não esqueças o álcool,
Aquele que desinfecta,
Não o que embriaga,
Esse é nocivo,
Esse sou eu,
Omnipotente Gengis Khan
Que arrasou tuas campinas.

Como rio a bandeiras despregadas.
Eu a chamar campinas
À aridez dos teus dias;
Nem vermes nem musgos por lá despontam,
Apenas os tamancos de acácia
Que mandas fazer no passado,
Tradicionais, pois claro,
Que não rejeitas a terra,
E que revestem os pés etéreos
Dos fantasmas que colectas.
-Devo dizer: coleccionas?-

9.
Arranca o comboio
Arranca o nariz
Arranca a língua
Arranca os dedos e os seis sentidos

E pronto

Até depois

Não não o depois do adeus

Nem aquele que tu julgas ser depois disto

Até depois o meu depois
E o meu depois é assim

E depois nunca mais nos vimos



Gafanh...oto

1.
Ôto que não seja mim,
Diria o palhaço Troca-tintas;
Ôto sim que não eu mesmo.
Ai, caraças,
Como tudo isto é fácil.
Basta um beijo de fugida
E logo vens atrás de mim.
Mas eu que há muito ando de “skate” lírico
E já não patino,
Nem sequer um volver de tola te ofereço.
Ficas na Gafanha,
Talvez à espera d “ôto”
Mas não de mim,
Pois pra mim:
-Gafanha ôto! -imperativo.
Quê já na tô pràí virado!
E agora fecundei-te.
Com esta é que te violento:
Pràí” - com acentos todos tolos.

Eu sei, é penetração em vão.
Tu estirilizaste.
As palavras para ti até já são contraceptivos.
Inda mais esta, não é verdade?
O gajo, aquele puto,
Que nem meio século tem,
Armado em milenar,
Armado em detentor dos latins,
Das erudições a que só alguns têm direito
E que até mesmo a ti foram vedadas!
-Porra, como é?!... -dizes frequentemente- Este puto vem pràqui
E julga-se Freud?
Jung ind´aceitaria
Que eu sou mais velha.
Eu é que tenho responsabilidades!
Eu é que tenho que coordenar paixões,
Dirigir a fala e o falo!
Eu é que sei! O gajo é puto!

E eu, com alma de puta,
Violentado até mais não,
Sorrio, distante, em frente ao chui.
-Mas você foi vítima ou não?

Fui vítima o caralho!
Pra vítima temos o Álvaro de Campos
E o Perestroyka.
Eu sou lúcido, pôrra! Lúcido!

Colhi de ti as carícias que desejei
E se outras te pedi
Não era eu,
Que eu não sou um pobre pedinte,
Não, não sou um Álvaro de Campos,
Eu sou o falo bocagiano
Que Sade desconheceu.
Eu fornico tudo!,
Até o buraco da garrafa da cerveja
Donde bebi alentos.

Mas agora estou cansado...
Estou “poderosamente escavado”
No mapa onde as serranias acontecem
-Nem sequer um bando de pardais
Quanto mais de árvores-
E as pedras aceradas no agrume dos ventos
Me lenham os pulsos.

Sim, um dia não te verei mais,
Esquecerei o gesto nervoso
De apertares o lábio superior
Com a tenaz de lembranças
Que geras com polegar e indicador.
Já não anteverei lágrimas
Nem te puxarei pra mim.
E nesse dia,
Talvez os meus fantasmas
Calcem tamancos
de figueira
E andem quais “poltergeistes”
A atazanarem-me o juízo.
Mas não me lembrarei de ti,
Harpia infame,
De quem fiz Parca tecedeira.

Corto-me os pedaços de Urano
E vou alimentar os peixes
Para sofrer qual eunuco
Perante o bailado de Lilith.

Vou recusar o Camões,
Não pousarei os olhos em Petrarca;
Pra me chatear o verbo
Tenho o livro de Voynich.
Eu o mago das palavras
Que “sózinho” não sabe acentuar
Nem da inexistência abismal.

Vou ler Marivaux,
Brincar ao amor
Como Esopo de “Judeu”
E se me sobrar tempo
Revisitarei os tascos do Tovim
E apanharei um pifo;
Não para te chatear,
-Pois aí já te esqueci-
Apenas pelo prazer de ouvir versos de Baco.
Antes dele que doutrem;
Antes dele que da Rosa
-Aquela dos ventos
Que nem sopra-
E da qual quem à “padaria” vai não tem dó.

És uma merda como eu.
Nem arcaboiço tens
Prá comiseração a que (a ti) te devotas.
Mas pronto, és mais velha,
Trapo desajeitado que não se aceita
(A si mesma).

Dá o tom.
Faz a regência.
Mas eu que tenho dós,
Também dos grandes,
Não danço ao rufar de tamancos de fantasmas mal-educados.
Vai pró raio que ta parta!
E se julgas que “sua majestade saloia”
Me leva a “fâquebuques” e “tuites”
Ou a outras sociabilidades de pacóvio urbano
Bem podes roer as unhas.
Quando deixar de estar farto de merda
Puxo o autoclismo.

Não, Rosa, não me venhas pela porta das traseiras
Quando me esborrachaste o apêndice probiscídeo
Com a porta principal.
O peixe e a gaivota não nidificam juntos
Por não saberem onde.
Mas eu,
Rebento bravio de cânticos negros
(Não principio nem acabo)
Faço o ninho onde me aprouver.
Nem que seja com cascaveis.

2.
Vês?! Aqui é Souselas.
Aqui amei a Cândida
Nos tempos certos de amar
Que são sempre aqueles
Em que não o sabemos fazer.

E julgas que veio alguém
Um dia pra me ensinar?

Ora, sacudo o pó e chego a Vilela.
Aqui amei a Cristina Neves,
Já com filosofias sofistas
Atravessadas com Sócrates e Platão,
Entre Exile on Main Street
E Ramones, It´s ALIVE!

Aqui amei outra vez
E pari versos traidores
Que assombraram Cristina
E a afastaram pra longe.
Mas reneguei eu os versos?...
Não! Eu reneguei foi Cristina
E todos os trens que saíam
De Coimbra pra Vilela.

Nadei no Mondego
Em baptismal devaneio
E tudo a água levou”...

Julgas-te tu, Rosa de espinhos falsos,
Capaz de me levar a tal?
Nunca!
Que o Inverno vai frio.
(Embora a minha alma arda
Dantesca
De mão na mão com os dias
Que deixei pela Gafanha).

Dou o salto, cachopa.
(Não à cachopa!)
E vou mesmo apanhar o pifo
Para ter pena de mim
Apenas pelo dia de hoje
E não pelo ontem de ontem
E por este mesmo ontem.

3.
Cá estou. Coimbra.
O aguilhão do meu fado,
As algemas das palavras
E os grilhões dos meus passos.
Não, pá, não emudeço.
Regresso ao paleio de sempre,
À conversa emparedada
De quem não tem que dizer,
Depois desmaio, pálido;
Deambulo zombiticamente
Por vielas que reneguei
Mas escreverei epitáfios;
Uns cada vez mais iguais aos outros
Até que as semelhanças os distingam.

Vou ao Mija-Cão beber um copo.
Não te convido,
não gostarias.
Até já os gostos te filtro,
Transparências opacas
Que os meus óculos devaneiam.

Pronto, cá estou eu:
Uma bifana entre(-)dentes
E um branquinho traçado.

Depois memórias antigas
Para apagar as recentes.

Vês?!... Basta uma bifana e um copo
Pra te pôr no esquecimento.

4.
Cá estou eu
Sem trazer nada de ti.
Os beijos que te dei
Fica com eles,
Que te façam bom proveito!
A mim não me servem de nada,
Nem sequer me fazem falta.
Beijos pra mim são vocábulos
E se os atiro dispersos
Não chegam sequer a ser versos.

Bom, vou-me embora
De ti, de mim
Que me tenho à minha espera.
Adeus, ó Álvaro”.

Nido e nado

1.
Até Coimbra se ri de ti, ó Gafanha.
Tu que és praia e sol devias ser,
És nuvens e frio narcísico.
Aqui o sol me beija até ao dorso libidinal.
Eh, pá.
Tenho que me orgasmizar com decência,
Há quem veja o meu prazer.
E ali defronte é a esquadra!

2.
Nido aqui,
Não nidifico que amanhã volto a partir..
Nado aqui,
Não nasço que já nasci.
-Bem sei, Rosa, é nato,
Mas nato é tão belicoso-.
Ah, percebo.
Queres uma nova contenda.
Olha vai à feira!
Com tendas há lá quem sobre.
Eu vou dormir ao relento
Que o frio não me apoquenta
Quando o riso perde o juízo.

3.
Ainda há cheiros de natal;
Uns luzidios enfeites
Teimam em me achincalhar...
A mim que estava satisfeito,
Já nem um sorriso indelével me perpassa
De bolso a bolso,
Senão
Ia chatear o Namora
E beber a tal Sagres.

Trinco entredentes o palito
Que sobrou da tal bifana
-Aquela co vinho branco-
E espero o autocarro
A recusar entoar
Lá em baixo ´inda anda gente...”

4.
É desesperante, não é verdade?
Fica uma frase periférica
Que ninguém puxa pró centro.

Medieval e leprosa,
Cheia de escorbuto patriótico.

Eu não a quero porque tenho
Já pátrias e lepras de sobra.

Tu porque tens adamastores
Que não te deixam fazer ao mar.

Salta práreia, Cowgirl!
Olha o cavalo marinho,
Doma esse potro receio.
Mostra que és terra e sal!

Sal---ta, moça, salta!
Como quem leu D. Dinis
E conhece toda a regra
De cavalgar toda a sela.

Pfff... professora linguística
-Devo dizer linguareira?-
Uma garoupa feita parga
Que nem pra linguado serve.

Olha, vou eu!,
Montar a cavala bravia,
Morder o rabo à pescada,
Atazanar o chicharro
E em grande caldeirada
Festejo com uma estrelinha
Que solha... Não apanhes!

Esta da solha é pra te furar os ovários.
Desova-te se te amanhares
Dessa tarefa escamosa.
E depois deita isto fora.



Epífaro ou epífico
ou pifo sem relação.


1.
Ó Baco, ó parvo
Que tão cedo morreste
E neste estado me deixaste.
Ainda bem que morreste
Senão hoje morrerias
Entre o meu pifo de adeus
E palavreadas orgias.

Ó Baco, ó parvo,
Nem sequer me embebedaste.
Se é esta divina casta,
Antes aguardente decente
Não de deuses mas de gente.

Ó Vénus, Afrodite mascarada,
Nem pra Fátimas tens jeito;
Não sabes mostrar-te aos meninos?
Olha pra mim tão cupido,
Tão fugido da estatura
Do meio século que me molda,
Tão a pedir um afago.
(Olhà velha descarada
A querer dar-me um açoite!)





Bonus Traque
(ou flatulência extra)


Poema por encomenda

Respondo solenemente
Ao apelo excelentíssimo
De Vossa Senhoria.

Nesta minha missiva,
Aqui presente,
Cá declaro:

O raio que ta parta,
Ò língua desusada!
Meretriz de sexo oral,
Aventureira nas frases
E vulgar nas expressões.

Só tramas! Nem lixas
Quanto mais fornicas!

Ao redor do hemiciclo sanzonal
Em que repúblicas se beijam,
Idolatram e financiam,
Os poetas, já calvos de palavras
E áridos de sentenças,
São correspondentes da “press”
Num “part-time” poético.
Lá sai um verso ou outro,
-Pela porta das traseiras,-
Encapuçado num bocejo
Que a bica não esquenta.

De políticas, nada!
Basta o Alegre e o outro,
Sim, e essoutro também...

Recordo-me perfeitamente
De exílios e desejos,
De ódios e de revoltas
E de palavras tão tristes
Que a própria tristeza se some
Nas sombras da sua tónica.

Sua senhoria, perdoe.
Esta lágrima não é sal,
É açúcar!
Pois o meu chorar é doce,
Choro por estar contente;
Pois os poetas que eu li
Foram poetas no todo
E não os senhores da “press”.
Que até já a “caminho”
Põe nas suas prateleiras.

As armas -assinaladas,
Não as com canto-
Os decassílabos e as septatónicas,
Os motes e as glosas,
As voltas e as redondilhas
E a puta que vos pariu!

De novo peço perdão.
Não intentei ser vernáculo
Nem insultar vossa mãe.
Mas, Excelência, notai:

Já reparásteis que Aleixo
Não tem outro que se compare?
Será por falta de doutos
Ou por excesso de tais?

Que parâmetros haveis pensado
Para os poetas com tempo (râneos)?
Já tudo foi encaixilhado,
Tudo tem a sua moldura!

Só eu, (e aqueles que se encolhem
Nas trevas da solidão)
Não tenho nem prateleira
Nem ficheiro electrónico,
Quanto mais um excertozito
Nos almanaques escolares!...

Não me peçais um livro.
Aí, dar-lhe-ei na tola com ele;
Com as obras completas
-Num volume compacto e único-
Do velho Nando Pessoa,
Aquele compincha da bica,
Do cigarro e da tristeza.

Mas para além disso que mais?

Nada!

O essoutro -o Manoel de Oliveira*
Que me escreveu vistas na vista,-
Esse ninguém conhece.
Nem o Sena, nem o Ary,
Nem Pessoa -o Joaquim!

E vós, Eminência, pedis
Um livro cá do “eu”?,
Do desastrado rural
Da parvalheira bairrosa
Inda que da Lusa-Atena?

Que esperais vós de mim?

Umas burlescas
Ou pretendei-las eróticas?...
Uns carramanhos cabeçudos
Que façam rir as senhoras
-E aquele senhor também,
O de anel grandão-?

Pra isso em qualquer tasco
Ouvireis grandes poetas.

Eminência atentai:

O sino chateia-me infinitos;
Aquando a igreja aberta
Sufoco, falta-me o ar;
Portanto de liturgias,
Nem um flato.
A não ser que vós queirais
Poemas de confissão.

»Perdoai, senhor, pequei.
Dei ´ma tal cambalhota,
Em cama alheia acordei.
Ai, Deus, estivera eu morta.«

Ora tomai lá o Auto!
O da Índia, bem sabeis,
Do mestre que soube unir
O teatro à poesia.

Queirais acaso bucólicas,
Regionalistas sonetos
Ou urbanas discrepâncias
Chamadas neo-nem-sei-o-quê?
Tudo bem, ò majestade.
Vou à sanita e já volto,
Nem o rabo limparei,
Para melhor resumir
Os poemas que quereis.


(E pronto, Rosa, obrigado pela ins/expiração ;) )

*Na verdade cometi um crime de lesa-majestade no original ao escrever aqui Manuel de Oliveira, pois eu queria-me referir ao Manuel da Fonsaca-Ele que me perdoe!-.