segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um só êmbolo



Um só êmbolo
lufada de ar puro
que envenena
sem colher
sumo de limão

Um só êmbolo
lá foste
num tropel sem montada
e eu tomei-te o pulso
tardio
ao teu lado
cego
conversei
o Fernando ouviu-me
tu não
o Fernando levou-te
eu não

A Teresa tomou-me o pulso
pingava
nos braços do Fernando
os teus pés oscilavam
com o corpo fugido deles
a tua alma jazia
à mão de semear
encravada
onde eu deveria ter a minha

Nunca mais chamaste
Balburdia
a tua vida organizada
esquife luzente
e olhos tristes
verdadeiros
só os teus

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Acidente a ocidente



Furaste a cortina
grafitizaste-me o mural
e deixaste bem vincados
a foice e o martelo
sobre as águas nocturnas
da Ria de Aveiro

Tu vermelho
eu verde
no mesmo cigarro
que a penúria poupara
o barco
-duas câmaras de ar atadas-
chapinhava ritmos
chapiscava odes
tcháp-tcháp
this is the end”
trauteaste
beautiful friend”
ripostei
e ficámos vivos
tu Perestroyka
e eu sem linces na Malcata
nem sobreiros transmontanos

Trocámos poemas
trocámos as horas
escorrupichámos Mondegos
em noites piromagnas
Mas veio um carro
na curva do meu braço
levar-te
-nos
o que sobrou
da noite na Ria

tu e o teu suicídio
ambos falhados
ambos cumpridos

Um pontapé oculto



Rodrigo
cantos lúgubres e pagãos
Ozzis e Coopers e assim
teus olhos negrumes
os lábios palidez
aprendeste num dia
três acordes e uma canção

Foste rei
eu plebeu
Clepsidra
rodou teu tempo
cronificou teu andar
foste metrónomo poente
a noite vinha
estrelar-te a voz

Cantavas, Rodrigo, cantavas
novas canções que eram armas
-contra teu pai que nem o era-
cativaste versos de luta
e operários
compraste até
Como se fôra seu filho”

Teu pai banqueiro
emissora católica e pouco mais

as noites vinham
estrelar-te a voz.

Até ao tombo na escada
-pontapé certeiro no incomodativo-
tu escada abaixo
e o Zeca janela afora

Sussurro-te baixinho
pra não dizerem que não falei de flores”
deixei o cravo mais atrás
ali onde o Carlos jaz
cantemos amigos
A morte saíu à rua num dia assim...”

Enforcamento em mi bordão



Com mi bordão
autopsiado
corte na garganta
teu último canto
asfixiado
tangeste a sexta
com o peso do teu corpo

As raparigas
tiveram soluços e lágrimas
mas não o choro
de “Dulcineias”

Pendulaste o ritmo
por minutos
assim contados
e foste sem o amor que despertavas

Levaste
o corpo balofo
e as mãos crispadas
num derradeiro acorde
-sem poderes jamais acordar-

Vi a pedra tumular
nada diz
sequer
Amigo, maior que o pensamento...”

Levei-te um cravo
arrepanhado murcho
no monte que ninguém quer

Foi Abril
quase Maio
por sobre a mesa
Sá Carneiro
e o “livro em branco”
aquele em que eu escrevia
aberto
esventrado
no poema

Embala-me
embala-te
leva-me contigo
que mortes não há
tua voz é vida e gestação
adormecem noites dedilhadas...”

Hoje queimei teus restos
incinerei o caderno
e vadiada a noite
visitei teu túmulo
mortes há, amigo, mortes houve

Joana Anjos



Gradeado espaço
pétrico jardim
um de Novembro
romaria em ti

Pálidas as luas
esmorecidos os sóis
além te foste
e só eu te sei

Lembras-te como doeu
aquele sorrido adeus
a mão estendida
dedos abertos
polegar erecto
médio
indicador
bifurcação
V de vitória
escorreu a lágrima

Recordo ainda
teu corpo lívido
após amarmos.

Eu morro
disseste
assim o fizeste
secaste a glande
e o seu tronco
abriste o copo
e o poema
no canto
onde o primeiro beijo aconteceu
morreste

Hoje não bebo
nem acendo cigarros
o poema escorre

Tu vieste esta noite
tules rendilhados
e fármaco antigo
angélica
ouço os ecos do meu ir
em tua busca
e choro

choro o que não chorei ontem
a tua campa humedece

sábado, 5 de fevereiro de 2011

s ó cio

Solidão
um cravo numa jarra
água imunda
os dias que não chegam
e as semanas que passam

Todos têm um cigarro
ou copo de ócio
nas paredes um relógio
incandescente
vai-se o sol vai-se a hora

Fica o teu corpo
inundado de ecos
tactos de noites
solidão
tu própria

Um cravo numa jarra
mudo a água.


Suspeitas
ledas madeixas carnais
infernos nos leitos
e pente imoral

Traição
outras tomam
tu estrebuchas
tu resmungas
de mão fechada

por aí escapo
muito melhor.


Volteio a palavra
debaixo de lapas
há bichos estranhos
e fuçam em movimentos
perpétuos
as areias mornas
o sol vítreo
e a água do rio
num verbo só
se alguém entender
que o explique

O tentilhão debulha o milho
com sagueza
ínsuas cartográficas
sem perceberem

Os corvos lêem nas nuvens
não acredito
Os falcões lêem urina
ai já
pobre do rato
que assim o rumo marca.
E eis a palavra volteada
ócio

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Alegoria do buraco




Coloca mais um tijolo,
Levanta alta a parede
E põe cortinas de ferro.
Coloca também persianas
De chapa de aço esmaltado.
Reforça a alegoria
Do buraco onde me encerras.

Faz-me sentir os teus passos,
Adivinhá-los no escuro;
Sonhar com afagos teus
E desenhar teu perfil
Com as sombras que me cercam.

Se topo um raio de luz,
Não o sei bicho ou pessoa,
Sequer o sei como tal.
E quando passa uma sombra
Pergunto-me se é o sol
Que vozes vão comentando..

Se por fresta entra o frio
Indago-me se tu o sopras
Ou se outralguém o faz.
“E quem será?” Me pergunto.
“Porque razão o fará?”

Mas vejo, está tudo errado;
Fôra isto um buraco,
Uma isolação do mundo,
Não saberia eu escrever
Nem tampouco questionar.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Genesis lilítico

Amo-te e não te quero,
Rosa tardia no meu jardim agreste.
Tenho amigos que o não são
Por esses faces-books fora
(Esta do hífen é intencional
porque sei que o entendes).
Tenho Almeidas no meu passado que não varrem,
Sequer sopram folhas outonais.
Assim como tenho copos de vinho
(Encho um)
Que te não agradam... mas sou eu.
Eu a gostar de beber este copo
E a gostar de escrever
Sem proibições de quem não escreve para além de receitas.
Sou eu
(e a minha irmã Adélia
E a Benilde; até o Mário)
Sou eu a falar alto,
A dizer mal do Mundo
E com vontade de chorar e dizer apenas bem...

Não o sei... ensinaram-mo, é certo!;
Mas dizer bem do que está errado nunca foi do meu agrado.
Sou javali fuçante nos degraus que tu subiste.
Não porque queira que desças...
Sou eu que não sei subir.

Tenho à minha frente
Os futuros que ninguém vê!
Assim fôra, há muito que alguém o predissera...
Eu sou um passado velho,
Tão velho que o não sei escrever.
Outralguém por mim o fez...

É fácil ouvir canções
E cantá-las fazendo-as nossas.
Mas ouve a Noite do Zé Mário
E medita -ainda que o não queiras-
Por muito que sejam nossas...
Andamos na boca dos outros.

Andamos na boca do mundo
Como o Fernando que desce o Tovim
De mão dada com o “amigo”.
Somos tema de conversa
Que nós próprios não conversamos.

Dói. Tudo dói!
Porque sim... porque eu vivo!
Porque eu queria descer todos os Tovins
Contigo e sem mais quê!
Mas não desço.
Ato-me a estas coisas,
Às virtualidades da “net”
E escrevo-te poemas que o powerpoint desconhece
E o Translator, todo google, atrapalha.
Falamos, amor, língua desconhecida.
E eu que pensava amor ser isso mesmo,
Vejo-me defronte a livros,
A dicionários e ainda que recusando
Aos tratados do Régio e aos versos do Pessoa.

Eu, que nem sei o que paulismo é.
E toda essa coisa do interseccionismo...
Não sei o mínimo para te poder saber.
Trago ignorância até no pénis.
Aquela coisinha que dizem pensa por nós.

Triste de mim,
Que tenho os teus olhos,
Os teus lábios e esta merda de amor
Que ninguém entende.

Sim, digo asneiras,
Solto impropérios.
Tal qual tu o fazes...
Mas a mim não fica bem!
Eu apopléxico crónico
Com raivas ancestrais
Que ninguém sabe curar,
Eu devo calar...

Calo, acredita!, acredita queo faço.

Tenho mudez até nas camisas que visto.
Trago mudez nas palavras que digo.

Minto. Minto se calo e calo se minto.
Ouves o meu silêncio?
É a dialéctica do amor,
Aquele das feridas e dos fogos.

Tenho que morrer, um dia, decidido.
Hoje não. Tu fazes-me sentir vivo.
Demónios te levem!

A paz que em mim semeara
Tu alevantaste-a como um tufão,
E nem sequer geraste raiva.
Renego-te, Lilith, renego-te.
Um deus virá contrariar-te,
Fazer de mim infeliz
E prostrar uma Eva a meus pés.

Arranco as flores de Éden
E mando ao diabo o deus
Que de mim molda um adão!