sábado, 30 de abril de 2011

Penso

1.
Jamais poderás impedir que sonhe,
Nem sei sequer se o desejas;
Pior que isso é jamais poderes impedir que pense
As catadupas de coisas que em torrente laminada
Dilaceram as horas em raivas e dores de serem raivas,
A avalanche trovejante de ignóbeis memórias que nem são minhas
Mas apenas pressupostos do que serão as tuas.
Não, jamais poderás evitar que pense.
Assim, és enxaqueca quando o faço.
2.
Penso, já que o espaço concebido é propício.
Penso, já que a tua mão cala o afago.
Penso, porque os teus lábios nem um beijo sussurram.
Penso, porque os teus olhos emudecem perante os meus.
Penso que então pensas o que eu nem quero pensar.
3.
Quando ao deitar os lábios ao fresco
Sob o quente do verão à beira,
Um leve odor a suspeita sudorífera
Que metabolismos neuróticos em mim plantam,
Assoma traiçoeiro,
Bebo trago mais longo…
Como se assim apagasse a memória.
Nem a dentada nervosa no tremoço
Acalma odores dérmicos indesejados.
Cheiro mal do corpo todo
Como um Dantas dos pés
E bebo, por distracção…
E acordando meus lábios já refrescados
Lembro canções e sussurro-as.
Deito-me à beira do verão,
Suado e mal cheiroso
Mas livre de pensamentos.

Não quero misturas

1.
Quando as vagas do destino
Estalam nas rochas quotidianas
Salpicando em torno com pétalas de sangue
O beijo dos amantes
Desce o sol até ao baixo hemisfério
E rebentam ondas de tristeza

Tudo meros versos do poema fútil

Quando a vida de tão vaga
Se estatela nos rochedos
O destino está esvaído
E os amantes não se beijam

Só o sol teima em baixar
Inutilizando os versos

Quando eu ler a mensagem que te envio
Serei sol e não poeta
Descendo baixo
Inutilizando a poesia

2.
Apago no portátil o poema
Que ninguém leia a minha dor
Apago no portátil a minha luz
E fecho a porta para o mundo

Amanhã quero estar no céu…

3.
Olha a gargalhada repenicada no sarcasmo,
Ironias que o céu me dá.
Quando chover não chorarei,
A água celestial é-me pagã;
Eu sou litoral de dores,
A minha água é salgada.
Não quero misturas.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Foto

1.
Abri os olhos com tua foto neles.
Acordei no jardim e na paz da relva
Que o Verão já pisara.
Tinha nos dedos carreiros de formigas
E nos lábios sedes de ti.
Se as aves cantavam
Decerto odes oníricas
Que o rio mais ao lado embalavam
E distantes de mim soavam.
Meus ouvidos surdos ao mundo
Se escutavam era o silêncio de ti;
Amei-te dentro dele,
À distância.
Tão longe de mim
Que me perdi...
Agora, não sei regressar.

2.
Ficou encontro marcado.
Não sei que gare poderá unir destinos...
O meu anda emigrado
E fala saudades de fados.
Os comboios que me levam
Recusam sempre trazer-me.
Se souberes de sombras ternas,
De árvores nidificadas,
De relvas humedecidas,
Do meu corpo ocioso,
Diz-me. Preciso saber onde estou.
Talvez assim te encontre.

3.
Dar-te-ia um número...
Uma ponte sobre os longes,
Dar-te-ia a mão em braço longo que se não vê,
Dar-te-ia a voz em sussurro meigo,
Dar-te-ia tudo isso...
E muito mais.
Mas sou adverso a telemóveis.
Se quiseres apenas muito mais...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Por razões

1.
Provei-te o corpo húmido
No sal da minha língua;
Se hoje bebo água é da ressaca
Da embriaguês real, não do amor.

2.
Por aqui desce o vento,
Cumprimenta-me num bailio
E segue rua abaixo.
-Às vezes, criança, rua acima-.
Um gato vadio leva consigo imagens minhas;
Na janela sobranceira um canário titirita.
O sol queima. O telemóvel não toca.
Sou livre! Não uso.

3.
Esperei por ti sabendo que não virias.
Eu sempre espero por ti sabendo que não virás.
...
Tu nunca me surpreendes!

4.
Amei-te nem sei bem como;
Não no turbilhão dos lençóis
Nem no sorriso do sofá.
Amei-te na conjugação do verbo
E hoje desconjugado ainda tenho
Futuros teus.
Não sei quais as condições...

5.
Ando triste de mim;
Trago saudades de ontens
E outros dias além.
Queria Hamburg e uma Bier
Um Döner ou Currywurst;
Queria adormecer, mais não.
Porque me tocas se entendes?...

6.
Surgisses tu que nem deus
Num poema de Caeiro e dissesses:
-Cá estou eu!
Tomar-te-ia veloz
Até ao inferno de Dante.

7.
Tu que falas de amor
Quando me vou,
Que fazes tu quando não estou?
De leito em leito te passeias,
Entre mãos e pernas te aconchegas.

Tu que falas de amor
Quando não vou,
Que fazes tu quando estou?
Que fazes tu?!...